Os dias escorriam, longos, quentes, sem
relevo, peganhentos, iguais a outros passados, mesmo que enquadrados na tédia
paisagem da cidade maravilhosa.
O António não andava bem disposto; o seu
superior tinha-lhe recusado controlar a contabilidade da empresa mastodonte;
ele sabia que coisas estranhas, no mínimo irregulares, se passavam naquele
serviço; disso tinha provas mas, logo que o referiu ao chefe, como era sua
obrigação, deparou-se com surpreendente recusa: “Agradeço o seu empenho mas
tenho toda confiança nas pessoas daquela secção…”
Ao António foi então atribuída a gestão dos
recursos humanos.
Como qualquer bom soldado, o António atirou-se
ao trabalho. Finalmente gerir cerca de 50 empregados iria decerto ocupar boa parte
do tempo laboral.
Mas, naquela empresa o ambiente, aparentemente
normal, estava truncado; com efeito, dois clãs se afrontavam pela liderança: os
próximos do presidente, poucos, e os outros todos…Nem se falavam; afixavam uns
e outros mensagens no quadro da cozinha com palavras mais ou menos
reproduzíveis.
A questão vinha de longe desde que fora
descoberto que trabalhadores recebiam “luvas” para privilegiar poucos utentes
em detrimento da maioria…Mas o António, não tinha nada com isso.
Decorria uma inspecção e, o responsável dos
recursos humanos alheou-se, obviamente, do que lhe não dizia respeito…A não ser ouvir uns e outros sempre tentando pautar as suas intervenções com sentido de
justiça.
Mas um dia foi chamado pela chefe-inspectora muito arreliada por não ter encontrado o “réu” que pretendia ouvir.
“Onde esta o Roberto?”!, berrou com agressividade; “Não sei Sra. Inspectora”, retorquiu o António serena e
respeitosamente; foi então uma autêntica trovoada: “Então você não sabe onde
estão os seus funcionários?!”
O António olhou para ela, sorriu, deu meia
volta e em silêncio deixou a “inspectora” que, na noite anterior devia ter
enchido o tanque com caipirinha, cerveja ou cachaça…
Mais tarde viria a pedir desculpas; aceites.
Fora o trabalho estava tudo bem. De hora a
hora ia beber o seu cafezinho com o seu amigo Peter no bar bem próximo da
empresa; não fora os 18 andares que os separavam do rés-do-chão, os elevadores
quase sempre avariados, era uma questão de minutos que se transformavam em
quartos de hora.
Naquele “barzinho” havia sempre muita gente e
os empregados não eram nada despachados… Passavam tempo sem fim
para obter o precioso e pretendido liquido, pretexto para mais uma cigarrada.
Vinham então os pombos; animais contra os quais ele nutria uma cruel antipatia ; mas
graças a eles desenvolveu uma capacidade notável: o “pontapear de rolas”.
Quem disse que aquele tipo de voláteis é
burro?! Começaram a evita-lo logo que o viam chegar!
Posto isto, o que ele mais gostava no seu trabalho
era o momento de regressar a Copacabana; A vista maravilhosa do seu flat, os
restaurantes “A Transa”, “O Rincon do Che”, “Manoel e Joaquim”, a cervejaria
“Belmonte” e os seus “chopos” e “bolinhos
de bacalhau” e, por vezes, alguma companhia feminina.
O Rio, fica para sempre na sua memoria encantada.
17-04-2016
JoanMira
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