17.4.16

Texto - Um dia no Rio de Janeiro

Os dias escorriam, longos, quentes, sem relevo, peganhentos, iguais a outros passados, mesmo que enquadrados na tédia paisagem da cidade maravilhosa.

O António não andava bem disposto; o seu superior tinha-lhe recusado controlar a contabilidade da empresa mastodonte; ele sabia que coisas estranhas, no mínimo irregulares, se passavam naquele serviço; disso tinha provas mas, logo que o referiu ao chefe, como era sua obrigação, deparou-se com surpreendente recusa: “Agradeço o seu empenho mas tenho toda confiança nas pessoas daquela secção…”

Ao António foi então atribuída a gestão dos recursos humanos.

Como qualquer bom soldado, o António atirou-se ao trabalho. Finalmente gerir cerca de 50 empregados iria decerto ocupar boa parte do tempo laboral.

Mas, naquela empresa o ambiente, aparentemente normal, estava truncado; com efeito, dois clãs se afrontavam pela liderança: os próximos do presidente, poucos, e os outros todos…Nem se falavam; afixavam uns e outros mensagens no quadro da cozinha com palavras mais ou menos reproduzíveis.

A questão vinha de longe desde que fora descoberto que trabalhadores recebiam “luvas” para privilegiar poucos utentes em detrimento da maioria…Mas o António, não tinha nada com isso.

Decorria uma inspecção e, o responsável dos recursos humanos alheou-se, obviamente, do que lhe não dizia respeito…A não ser ouvir uns e outros sempre tentando pautar as suas intervenções com sentido de justiça.

Mas um dia foi chamado pela chefe-inspectora muito arreliada por não ter encontrado o “réu” que pretendia ouvir.

“Onde esta o Roberto?”!, berrou com agressividade; “Não sei Sra. Inspectora”, retorquiu o António serena e respeitosamente; foi então uma autêntica trovoada: “Então você não sabe onde estão os seus funcionários?!”

O António olhou para ela, sorriu, deu meia volta e em silêncio deixou a “inspectora” que, na noite anterior devia ter enchido o tanque com caipirinha, cerveja ou cachaça…

Mais tarde viria a pedir desculpas; aceites.

Fora o trabalho estava tudo bem. De hora a hora ia beber o seu cafezinho com o seu amigo Peter no bar bem próximo da empresa; não fora os 18 andares que os separavam do rés-do-chão, os elevadores quase sempre avariados, era uma questão de minutos que se transformavam em quartos de hora.

Naquele “barzinho” havia sempre muita gente e os empregados não eram nada despachados… Passavam tempo sem fim para obter o precioso e pretendido liquido, pretexto para mais uma cigarrada.

Vinham então os pombos; animais contra os quais ele nutria uma cruel antipatia ;  mas graças a eles desenvolveu uma capacidade notável: o “pontapear de rolas”.

Quem disse que aquele tipo de voláteis é burro?! Começaram a evita-lo logo que o viam chegar!

Posto isto, o que ele mais gostava no seu trabalho era o momento de regressar a Copacabana; A vista maravilhosa do seu flat, os restaurantes “A Transa”, “O Rincon do Che”, “Manoel e Joaquim”, a cervejaria “Belmonte” e os seus “chopos”  e “bolinhos de bacalhau” e, por vezes, alguma companhia feminina.

O Rio, fica  para sempre na sua memoria encantada.

17-04-2016

JoanMira

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