Ai Igor, Igor. Há bebedeiras difíceis. E certos homens há que precisam de ter bem presente que não são bêbedos fáceis. Nesses casos, o melhor é alertar familiares, amigos, vizinhos, o dono do café da esquina, a esquadra do bairro e até, eventualmente, mandar fazer um fiozinho de trazer ao pescoço com a inscrição "alcoólico difícil". Igor já teve 33 anos - tempo de sobra, portanto - para perceber que o álcool tem efeitos especialmente nocivos na sua capacidade de discernimento. E, consequentemente, efeitos secundários capazes de desencadear a acção da polícia e dos tribunais.
Do que é que o Igor se lembrou, desta vez, em plena bebedeira? De assaltar uma bomba de gasolina da BP. Podia ter sido por querer acção, divertimento ou para sair da rotina. Podia ter sido para desafiar o perigo e porque o medo não lhe assiste, como ao Hélio. Podia ter sido por precisar de dinheiro, de cigarros ou de pastilhas. Podia ter sido para roubar gasolina 95, gasolina 98 ou gasóleo. Mas não. Igor, embriagado até à ponta dos cabelos, decidiu roubar uma bomba de gasolina para se poder manter... bêbedo. Depois da bebedeira vem a dolorosa ressaca. E qual é a melhor forma de evitar as mazelas do dia seguinte? Permanecer bêbedo.
Fora este género de episódios, Igor, um ucraniano a viver em Lisboa já há alguns anos, é um imigrante às direitas. Está legal no país, tem contrato de trabalho, não é do tipo de deixar o patrão na mão, junta todo o dinheiro que consegue, é um sujeito tranquilo e afável, apesar de poucas falas, e preza, sobretudo, os amigos. A história do devaneio alcoólico do Igor que acabou em ressaca - dolorosa - no tribunal começa, precisamente, em casa de uns amigos. Um deles fazia anos. Vai daí, jantarada. Vai daí, copos. Vai daí, Igor fica bêbedo. Vai daí, Igor volta para casa, sozinho, de camioneta.
Depois de o autocarro o largar ali para os lados do Parque das Nações, mete-se a caminho, a pé, para casa - o vento a dar-lhe na cara, o mundo a endireitar-se aos bocadinhos, o corpo a ficar sóbrio. Até que lhe aparece pela frente a bomba da BP, qual oásis no meio do deserto. Igor, sequioso, entra pela loja de conveniência adentro, dirige-se sem rodeios à zona das bebidas alcoólicas, saca - sem qualquer tipo de indecisão relativamente a marcas - duas garrafas de vinho, dirige-se a passos largos para a casa-de-banho, bebe as duas garrafas em duas goladas eficazes e curtas, esconde-as, já vazias, debaixo da roupa, e sai. É apanhado pela polícia assim que pisa fora da loja.
"Está acusado de um crime de furto", começa a juíza. "Quer dizer alguma coisa em sua defesa?"
"Eu estava bêbedo... não perceber o que fazia. Fui apanhado... [palavras imperceptíveis]... Não poder dizer mais nada. Aconteceu..."
"E recorda-se de ter tirado as garrafas ou não?"
"Se [palavras imperceptíveis, várias]... a cabeça não estar a funcionar bem e fazer aquilo."
"Mas recorda-se?"
"Sim [muitas palavras imperceptíveis, todas seguidas, formando um conjunto de frases também elas imperceptíveis e o advogado de defesa oficioso, a juíza, a magistrada do Ministério Público e a jornalista de olhos semi- -serrados, orelhas bem no ar, a tentar pescar alguma coisa do monólogo].
"Retirou as garrafas para quê?"
"Para beber."
"Não tinha dinheiro para as pagar?"
"Não [palavras imperceptíveis, outra vez]."
"Mas está desempregado?"
"Não, mas naquela coisa a cabeça pensa noutra coisa. Estava numa data, pronto. Era o aniversário de um rapaz amigo. Estava bêbedo, vir da festa. Cheguei lá... pronto... tirar garrafas [palavras imperceptíveis] da loja... não pensar."
"Será que o senhor, por causa da bebedeira, não terá pensado que estava a abrir o frigorífico ou a dispensa de casa?", pergunta a juíza.
"Não. Saber que estava na bomba."
"Como é que foi até ao Parque das Nações?"
"Camioneta."
"E estava sozinho?"
"Cheguei [muitas palavras imperceptíveis]... casas-de-banho... café... [continuação de palavras imperceptíveis] garrafas... café... Quando saí, polícia."
"Pois, foi apanhado, essa parte já sei", atalha a juíza.
O furto de Igor está quantificado em pouco mais de seis euros - lá caro, o vinho não era. Como até nunca se meteu em chatices com a polícia e atendendo ao facto de não viver à larga (Igor é serralheiro e vive num quarto arrendado, numa casa onde moram vários imigrantes de Leste), a juíza parece tentada a compadecer-se dele.
"Quer dizer mais alguma coisa, senhor Igor?"
"Hum... sim... hum... pedir desculpa. Foi c''os copos."
Sentença: 250 euros de multa. No final, a juíza saca de uma calculadora, desata a fazer a conta e remata: "É 41 vezes o preço das duas garrafas de vinho. Para a próxima, se as quiser beber, pague-as."
Do que é que o Igor se lembrou, desta vez, em plena bebedeira? De assaltar uma bomba de gasolina da BP. Podia ter sido por querer acção, divertimento ou para sair da rotina. Podia ter sido para desafiar o perigo e porque o medo não lhe assiste, como ao Hélio. Podia ter sido por precisar de dinheiro, de cigarros ou de pastilhas. Podia ter sido para roubar gasolina 95, gasolina 98 ou gasóleo. Mas não. Igor, embriagado até à ponta dos cabelos, decidiu roubar uma bomba de gasolina para se poder manter... bêbedo. Depois da bebedeira vem a dolorosa ressaca. E qual é a melhor forma de evitar as mazelas do dia seguinte? Permanecer bêbedo.
Fora este género de episódios, Igor, um ucraniano a viver em Lisboa já há alguns anos, é um imigrante às direitas. Está legal no país, tem contrato de trabalho, não é do tipo de deixar o patrão na mão, junta todo o dinheiro que consegue, é um sujeito tranquilo e afável, apesar de poucas falas, e preza, sobretudo, os amigos. A história do devaneio alcoólico do Igor que acabou em ressaca - dolorosa - no tribunal começa, precisamente, em casa de uns amigos. Um deles fazia anos. Vai daí, jantarada. Vai daí, copos. Vai daí, Igor fica bêbedo. Vai daí, Igor volta para casa, sozinho, de camioneta.
Depois de o autocarro o largar ali para os lados do Parque das Nações, mete-se a caminho, a pé, para casa - o vento a dar-lhe na cara, o mundo a endireitar-se aos bocadinhos, o corpo a ficar sóbrio. Até que lhe aparece pela frente a bomba da BP, qual oásis no meio do deserto. Igor, sequioso, entra pela loja de conveniência adentro, dirige-se sem rodeios à zona das bebidas alcoólicas, saca - sem qualquer tipo de indecisão relativamente a marcas - duas garrafas de vinho, dirige-se a passos largos para a casa-de-banho, bebe as duas garrafas em duas goladas eficazes e curtas, esconde-as, já vazias, debaixo da roupa, e sai. É apanhado pela polícia assim que pisa fora da loja.
"Está acusado de um crime de furto", começa a juíza. "Quer dizer alguma coisa em sua defesa?"
"Eu estava bêbedo... não perceber o que fazia. Fui apanhado... [palavras imperceptíveis]... Não poder dizer mais nada. Aconteceu..."
"E recorda-se de ter tirado as garrafas ou não?"
"Se [palavras imperceptíveis, várias]... a cabeça não estar a funcionar bem e fazer aquilo."
"Mas recorda-se?"
"Sim [muitas palavras imperceptíveis, todas seguidas, formando um conjunto de frases também elas imperceptíveis e o advogado de defesa oficioso, a juíza, a magistrada do Ministério Público e a jornalista de olhos semi- -serrados, orelhas bem no ar, a tentar pescar alguma coisa do monólogo].
"Retirou as garrafas para quê?"
"Para beber."
"Não tinha dinheiro para as pagar?"
"Não [palavras imperceptíveis, outra vez]."
"Mas está desempregado?"
"Não, mas naquela coisa a cabeça pensa noutra coisa. Estava numa data, pronto. Era o aniversário de um rapaz amigo. Estava bêbedo, vir da festa. Cheguei lá... pronto... tirar garrafas [palavras imperceptíveis] da loja... não pensar."
"Será que o senhor, por causa da bebedeira, não terá pensado que estava a abrir o frigorífico ou a dispensa de casa?", pergunta a juíza.
"Não. Saber que estava na bomba."
"Como é que foi até ao Parque das Nações?"
"Camioneta."
"E estava sozinho?"
"Cheguei [muitas palavras imperceptíveis]... casas-de-banho... café... [continuação de palavras imperceptíveis] garrafas... café... Quando saí, polícia."
"Pois, foi apanhado, essa parte já sei", atalha a juíza.
O furto de Igor está quantificado em pouco mais de seis euros - lá caro, o vinho não era. Como até nunca se meteu em chatices com a polícia e atendendo ao facto de não viver à larga (Igor é serralheiro e vive num quarto arrendado, numa casa onde moram vários imigrantes de Leste), a juíza parece tentada a compadecer-se dele.
"Quer dizer mais alguma coisa, senhor Igor?"
"Hum... sim... hum... pedir desculpa. Foi c''os copos."
Sentença: 250 euros de multa. No final, a juíza saca de uma calculadora, desata a fazer a conta e remata: "É 41 vezes o preço das duas garrafas de vinho. Para a próxima, se as quiser beber, pague-as."
por Rosa Ramos - Ionline
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