Quando o memorando da troika foi assinado era de todos. Era da troika, que nele mostrava uma absurda confiança. Era do PS, que nos dizia ser o melhor possível. Era do PSD, que garantia ter tido um papel fundamental no seu conteúdo e que até lhe ia acrescentar mais um tempero de sua autoria. Era do Presidente, que criticava o então primeiro-ministro por ter demorado demasiado tempo a chamar os homens que nos iriam salvar. Era dos comentadores e economistas, que dedicavam odes à "abençoada troika".
Menos de um ano e meio depois, o memorando não é de ninguém. Não é da troika, que já mandou dizer que ele ou é do governo ou, no mínimo, é partilhado. Não é do PS, que começa a enjeitar o aborto que assinou. Não é do PSD, que, através de Manuela Ferreira Leite, diz que a troika se está a avaliar a ela própria. Não é do Presidente, que gosta de estar sempre na crista da onda e não há maneira de chegar a ela a tempo de reverter os seus deprimentes e inéditos índices de popularidade. E não é dos comentadores e economistas, que continuando a comentar e a "economar", dizem e escrevem o oposto que diziam e escreviam.
Não, nada de surpreendente aconteceu. Tudo o que era previsível - o aumento do desemprego, a hecatombe económica, a queda das receitas fiscais com efeitos no défice - se confirmou. Os agentes políticos, num País com pouca memória, é que se adaptaram. Ainda bem. Acontece que, apesar da nova retórica, nada mudou no seu comportamento. A troika insiste no erro. O governo pretende continuar a aplicar o memorando. O PS continua a achar que as metas impostas são para cumprir. O Presidente continua a apoiar a aplicação das medidas do memorando. E comentadores e economistas continuam a perorar sobre a irresponsabilidade de quem insiste que este caminho é um suicídio.
Temos então um memorando que é filho de pais incógnitos mas que quase todos querem continuar a sustentar. A política portuguesa é, definitivamente, uma sociedade anónima de responsabilidade limitada. Ninguém tem culpa de nada. Todos se limitam a fazer o inevitável. Mas quem decidiu o inevitável vive em parte incerta.
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