O Tribunal Constitucional foi claro: tirar dois subsídios aos funcionários públicos punha em causa a equidade. E não deixou espaço para equívocos: os recursos que o governo procurava não podem apenas ser retirados dos rendimentos do trabalho.
As medidas apresentadas na sexta-feira pretendem, segundo o governo, responder a esta decisão de um tribunal superior. O resultado foi este: continuam a retirar-se dois subsídios aos funcionários públicos e a roubar-se dois aos pensionistas. Acrescenta-se ao assalto um salário retirado, por via dos descontos à segurança social, aos trabalhadores do privado.
Tirando a generalização do roubo aos trabalhadores por conta de outrem, onde está a equidade? Onde está o contributo, pedido pelo Tribunal Constitucional, do capital? Passos Coelho anunciou que ele viria. Mas absteve-se de apresentar qualquer proposta. Suspeito da razão para tal omissão: é provável que a apresentação do que será pedido a quem vive do seu salário no mesmo momento em que se apresentasse alguma evolução na taxação de outras fontes de rendimento tornasse demasiado clara a desigualdade na distribuição de sacrifícios.
Mas Passos Coelho foi bem claro quanto ao destino a dar ao dinheiro dos salários roubados aos trabalhadores, através do aumento em 60% dos seus descontos para a segurança social: uma parte vai para o Estado, tentando assim tapar a cratera que a desastrosa política fiscal de Vítor Gaspar nos deixa, a restante vai para o empregador, com a redução da taxa social única. Ou seja, a desigualdade na distribuição de sacrifícios, em vez de ser amenizada, com exigia o Tribunal Constitucional, foi reforçada. Não há mais equidade, há menos. É aos que têm pago sozinhos esta crise que tudo continua a ser exigido. Já muito para lá do que lhes é humanamente possível dar.
Esta injustiça, repetida vezes sem conta, dificilmente poderia, no país mais desigual da Europa na distribuição de rendimentos e o que, desde a crise, tornou o seu sistema fiscal mais injusto, fazer alguma coisa pela economia portuguesa. Mas, reduzindo ainda mais o poder de compra e rebentando definitivamente com o mercado interno, apenas ajudará mais um pouco a afundar o País. O resultado da receita já se conhece: aumento do desemprego, queda do PIB, queda das receitas, desastre no défice. O dois em um: mais longe de recuperar a economia, mais longe de sanear as contas públicas. O pleno, portanto. Se não resultou antes, não passará a resultar agora.
O mesmo governo que sistematicamente rouba nos rendimentos do trabalho, não se preocupando sequer em dar a ideia de que quer distribuir com alguma justiça os sacrifícios, nada muda na sangria dos dinheiros públicos e da economia para pagar rendas a quem tenha bons contactos ou um monopólio. A Parceria Público-Privada para a construção do Hospital de Todos os Santos, que substituirá vários hospitais públicos existentes, segue em frente com a bênção da troika. A peregrina ideia de concessionar um canal da RTP, pondo os contribuintes a pagar um negócio privado, ainda não foi definitivamente enterrada. E a EDP continua a sugar as empresas, contribuindo para custos de contexto insuportáveis. Não, não estamos perante um governo "reformista". Os interesses que contam continuam intocados. Estamos perante assaltantes que só conseguem fazer grossa para a arraia miúda.
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