8.3.12

Diz o Daniel Oliveira: "Julgamento na Islândia"

O julgamento da política cabe à política. Ou seja, cabe ao povo através do voto e da cidadania. Isto é verdade e é má ideia tentar judicializar a democracia. Até porque essa judicialização pode resultar numa desresponsabilização dos cidadãos, na hora de fazerem as suas escolhas.
Mas, como quase todas as verdades, há uma fronteira a partir da qual elas perdem validade. Poderíamos, por exemplo, dizer o mesmo das empresas. O julgamento da qualidade da gestão de uma empresa mede-se pelos seus resultados e cabe acionistas fazer as escolhas certas na hora de escolher quem dirige os seus negócios. No entanto, quando um gestor é extraordinariamente negligente, corrupto ou esconde a verdade pode e deve ser julgado por gestão danosa. Até porque, numa empresa, não se jogam apenas os interesses dos acionistas. O mesmo pode acontecer a um político. Porque se os cidadãos têm obrigação de estar atentos, há pormenores da governação e da situação económica que só podem conhecer se quem os governa quiser.
A Islândia está a julgar o seu ex-primeiro-ministro. Deverá responder por não ter acautelado o crescimento do sector bancário e assegurado que as contas do Icesave no Reino Unidono Reino Unido e na Holanda estavam ligadas a filiais nesse País. Resumindo: é acusado de não ter posto ordem no casino e de, perante o desastre eminente e evidente, não ter agido.
Não ignoro os riscos deste tipo de julgamentos. A Islândia vive, depois da crise, um ambiente político bem diferente do que vivia antes. Faltaria saber se os próprios islandeses, perante o dinheiro que desaguava no País, quiseram saber de onde ele vinha. Se, antes da tragédia, fizeram, como cidadãos, tudo para que ela não acontecesse. Afinal de contas Geir Haarde não chegou a primeiro-ministro por obra do acaso e a política de desregulação que o seu partido aplicou não resultou de um golpe de Estado ditatorial.
Ainda assim, há uma fronteira entre a escolha política e a irresponsabilidade criminosa. É pela segunda e não pela primeira que Haarde vai responder. Se justiça não se pode substituir à democracia, o voto não pode legitimar tudo. Com todos os perigos deste julgamento inédito, poderá ser, se for exemplar na sua capacidade de não se deixar influenciar pelo justificável desespero dos islandeses, um aviso para muitos governos: para que saibam que o voto não é o cheque em branco. Espera-se, no entanto, que a lição não seja a oposta: a de que os tribunais podem resolver as escolhas erradas dos eleitores.


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