É possível que a Finlândia vete a intervenção financeira em Portugal. Um conjunto de economistas alemães interpôs uma ação judicial com o mesmo objetivo. Na Finlândia e na Alemanha, assim como na Holanda e noutros países que têm escapado ao ataque especulativo às economias do euro, o discurso sobre a preguiça e a incompetência dos PIGS faz o seu caminho. O complexo de superioridade latente ajudam à festa.
Não sabem os senhores, sobretudo os alemães, que no dia em que os "pigs" rebentarem são eles que ficam a arder. A sua banca, que se está a recapitalizar à conta do BCE e dos juros de assalto que cobra aos devedores, dará o berro. Alguns holandeses, que andaram a investir nos bancos islandeses, julgando que tinham descoberto o ovo de colombo, já sentiram como elas doem. Tivesse a Irlanda feito o mesmo que a Islândia e lançaria o pânico na city londrina. E se, como parecem desejar os eleitores finlandeses, Irlanda, Portugal, Grécia e Espanha declararem bancarrota o euro dará finalmente o berro. E virá o colapso do sistema financeiro dos que se julgam a salvo desta hecatombe.
A verdade é esta: a intervenção externa nos países periféricos tem como objetivo levar tudo o que haja para levar até secar o poço. E garantir que os credores se salvam da tormenta. Mas quer nas economias fortes, quer nas economias fracas, a narrativa tem sido outra: os devedores são irresponsáveis e os que fez tudo bem é que paga a fatura. A infantilidade do raciocínio tem muitos adeptos. Lá e cá.
Nos países mais ricos a coisa cola com facilidade. Nos países mais pobres é mais fácil exigir sacrifícios se acreditarmos nesta história. Só há um pequeno problema com este discurso: se ele acalma a revolta no Sul, atiça a raiva no Norte. E, perante líderes fracos num lado e povos dóceis no outro, são os que se julgam a salvo que vão fechar a torneira, garantindo assim, sem o saber, que a crise chega a eles mais depressa.
Se ninguém fizer nada para travar esta espiral de cegueira, será assim a história do fim da União Europeia e da sua moeda: cada um tentou salvar si e todos se afogaram no fim. Criámos uma moeda sem poder político que a governe, criámos um espaço económico comum sem coesão social e sem orçamento próprio, criámos um monstro incontrolável. Era inevitável que quando as coisas dessem para o torto tudo se desmoronasse.
A tripulação deste navio não parece querer explicar aos finlandeses que se decidirem deixar a água inundar as camaratas até as suites mais finas acabarão no fundo do mar. Nenhum comandante tem coragem de dizer aos alemães que os passageiros que viajam em económica serão apenas os primeiros a afogar-se. Nos salões europeus, os passageiros mais distintos, incomodados com a gritaria da plebe irresponsável que corre sem destino pelo convés, continuam a ouvir a orquestra, julgando que o naufrágio não lhes diz respeito. Os passageiros menos abonados continuam demasiado ocupados com o seu próprio enjoo para reagir racionalmente ao estado de alerta. E só quando o Titanic europeu finalmente afundar uns e outros perceberão que seguiam todos no mesmo barco desgovernado.
DANIEL OLIVEIRA IN EXPRESSO
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