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22.11.12

FMI: Mandar postas de pescada e destruir Portugal

O chefe da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) para Portugal, Abebe Selassie, defendeu, numa entrevista ao "Diário de Notícias" e "Jornal de Notícias", que, no segundo trimestre de 2013, o PIB deverá inverter a sua tendência de queda e regressar a terreno positivo em 2014. O representante da troika disse também que Portugal poderá voltar a ter taxas de desemprego mais baixas no longo prazo. No que diz respeito à necessidade de se refundar o Estado social, no âmbito do pacote de poupanças de pelo menos quatro mil milhões de euros, Abebe Selassie diz que o Governo português deve debater o que "realmente quer fazer" nos sectores da saúde, na educação pública e nos apoios sociais.
Três coisas rápidas:
Primeira: porque raio um funcionário do FMI, que ninguém elegeu, se acha no direito de dar entrevistas em que manda postas de pescada sobre as grandes escolhas políticas de um Estado soberano? O senhor Selassie está em Portugal, diz-se, para acompanhar a aplicação de um memorando assinado pelo Estado português. Que se sente na sua secretária, no seu horário de trabalho, e o faça. A participação, através da comunicação social, no debate nacional sobre as grandes opções política de Portugal, país do qual não é cidadão e onde não vive, não está contemplada nas sua funções de mero burocrata.
Segunda: não sei se o senhor Abebe Selassie leu as conclusões da instituição para a qual trabalha e se sabe que o FMI conclui, recentemente, que em vez de se perder cinquenta cêntimos por cada euro de austeridade (onde se incluem o aumento de impostos e os cortes na despesa do Estado), como previa, se perdiam entre 90 cêntimos 1,70. Ou seja, que a economia perde mais do que ganha com a austeridade. Bem sei que no mastodonte de incompetência que é o Fundo Monetário Internacional - que tem deixado um rasto de destruição em tudo o que toca -, aprende-se lentamente e se trabalha em piloto automático, mas seria bom que as conclusões a que chegam servissem para alguma coisa.
Terceira: as precisões da troika para a evolução do PIB não valem um cêntimo. Recupero aqui um excelente quadro, feito pelo jornal "Público", sobre o que foi sendo previsto nas sucessivas revisões do memorando de entendimento. Na sua primeira versão, dizia-se que o aumento do PIB seria, em 2014, de 2,5%. A previsão manteve-se em Setembro de 2011, na primeira revisão. Na segunda, em dezembro, já era de 2,4%., Na terceira, em abril de 2012, era de 2,1%. Na quarta, em Junho, era ainda de 2,1%, mas na quinta, em outubro, quando finalmente os efeitos das receitas recessivas da troika se começaram a sentir a sério, tinha passado para 1,2%. Um mês depois, em novembro, a sexta revisão já fala de 0,8%. Acho que estamos conversados sobre as capacidades técnicas destes senhores em preverem os efeitos económicos do que defendem. Por isso, se é para destruírem um país, que ao menos o façam calados.
Daniel Oliveira  

15.11.12

Diz o Daniel Oliveira: O que a violência não pode esconder

Já várias vezes escrevi sobre este assunto: na política, como no resto, a violência tem o poder de se impor, de forma despótica, sobre todos os argumentos e sobre todas as outras formas de luta. Ela impõe-se pela sua irracionalidade e pelo seu poder mediático. Ela impõe-se porque replica, na contestação, os códigos do poder do mais forte.
Depois de ter participado numa manifestação pacifica, passei o fim de tarde de ontem, em São Bento, a gritar com os poucos (e eram mesmo poucos) que arremessavam objetos contra a polícia. Tentando explicar-lhes, sem sucesso, que esse era o favor que faziam a quem julgavam que estavam a combater. Fi-lo, desesperado com o que via, porque sabia duas coisas: que aqueles gestos dariam ao governo a desculpa que faltava para reprimir a contestação e que ofuscariam uma excelente greve geral, que deixou claro o isolamento em que o governo se encontra. Mas, acima de tudo, por uma razão: tenho, em relação à violência, uma objeção de princípio. Considero-me um pacifista no sentido mais radical do termo.
Quando, às 17.30, me apercebi que nada pararia uma minoria de idiotas, abandonei o local. Muitos decidiram ficar, mantendo a devida distância dos desordeiros, sem que, como vimos mais tarde, isso os livrasse de ser vítimas da violência policial. Era certa a injustiça: a enorme coragem que tantos trabalhadores portugueses mostraram, ao correr o risco de fazer greve (muitos deles precários e em risco de perderem o emprego) e ao perder um dia de salário que tanta falta lhes faria, seria esmagada pelas imagens de violência que sempre têm a preferência dos media.
Dito isto, há que deixar claras uma contradição e uma mentira do ministro da Administração Interna.
Disse o ministro que as provocações - que existiram - eram obra de "meia dúzia de profissionais da desordem". Se eram meia dúzia (facilmente identificável depois de uma hora e meia de tensão), porque assistimos a uma carga policial indiscriminada, que varreu, com uma violência inusitada e arbitrária, tudo o que estava à frente? Porque foram agredidos centenas de manifestantes pacíficos, só porque estavam no caminho, naquilo que, segundo a Associação Sindical da PSP foi a "maior carga policial desde 1990"? Conheço várias pessoas que, como a esmagadora maioria dos que ali estavam, não participaram em qualquer desacato. Não tendo sequer resistido a qualquer ordem policial foram, segundo os seus próprios relatos, espancadas pelas forças que deveriam garantir a sua segurança. Como é possível que tenham sido detidas dezenas de pessoas no Cais do Sodré e noutros locais da cidade, sem que nada tivessem feito a não ser fugir de uma horda de polícias em fúria e aparentemente com rédea solta para bater em tudo o que mexesse? Entre os detidos e os agredidos estava muita gente que, estando tão longe de São Bento, nem sequer tinha estado na manifestação ou sabia o que se passava. Como é possível que dezenas e dezenas de pessoas tenham sido detidas em Monsanto e na Boa Hora sem sequer lhes tenha sido permitido qualquer contacto com advogados, como se o País estivesse em Estado de Sítio e a lei da República tivesse sido abolida?
Quando a polícia espancou gente pacifica em vários locais da cidade, estava a garantir a ordem pública ou a contribuir para a desordem? Estava a garantir a integridade física dos cidadãos ou a pô-la em causa? Estava a garantir o cumprimento da lei ou a violá-la? Estava a reprimir os "profissionais da desordem" ou a espalhar a desordem pela cidade? O comportamento inaceitável de meia dúzia pode justificar um comportamento arbitrário das forças de segurança, que não poupa ninguém a quilómetros de distância da própria manifestação?
Não, o comportamento de alguns desordeiros não pode, num Estado de Direito, permitir que a polícia se comporte, ela própria, como desordeira. O crime de uns não permite um comportamento criminoso das forças policiais.
O ministro da Administração Interna garantiu que, ao contrário do que foi escrito em vários órgãos de informação, não havia agentes infiltrados na manifestação, a promover os desacatos para excitar os mais excitáveis e justificar esta intervenção. Fico-me por aqui: sei o que vi antes de me vir embora. E os agentes infiltrados começam a ser cada vez mais fáceis de identificar. Já uma vez o ministro desmentiu uma notícia semelhante que depois ficou provada. Espero que outros tenham conseguido recolher imagens que mostrem alguns dos que, no meio da multidão, vão semeando a confusão.
No dia 15 de Setembro elogiei o comportamento das forças policiais. Quando querem evitar o confronto sabem bem como o fazer. Isolando os provocadores e garantindo o direito à manifestação da maioria pacifica. Quando as ordens parecem ser diferentes é fácil contribuir para a violência. Foi o que aconteceu ontem. Uns tantos idiotas de cara tapada e as ordens certas vindas de cima chegam para garantir que uma greve geral com mais adesão do que o esperado pelo governo morra nos telejornais.
Escrito tudo isto, volto ao que é importante: a greve geral de ontem foi uma das maiores da nossa história. E nem os que procuram nas manifestações a excitação que outros encontram nas claques de futebol conseguem esconder isso. E nem a violência indiscriminada que o ministro da Administração Interna mandou espalhar por meia cidade de Lisboa o pode fazer ignorar. Na televisões, foi a brutalidade de uns e de outros que ganhou. Mas o dia de ontem foi bem mais do que isso: foi uma prova de coragem. Os portugueses estão de parabéns.

31.10.12

Diz o Daniel Oliveira: Cada um dos deputados é responsável pelo que nos acontecer

Os deputados vão aprovar hoje a destruição do País. Com base em previsões macroeconómicas que são uma fraude descarada (apenas 1% de recessão para o ano e crescimento no segundo semestre), aprovarão o maior ataque fiscal de que há memória no nosso País. Não para garantir as funções sociais e de soberania do Estado (essas, diz-se, vão ser "refundadas"), mas para continuar a pagar, sem sequer tentar negociar, uma espiral de juros de uma dívida impagável.
Com este orçamento conseguirão destruir a classe média, acabar com o mercado interno, lançar centenas de Pequenas e Médias Empresas para a falência, agravar brutalmente o desemprego, asfixiar definitivamente a economia, garantir enormes perdas fiscais para o Estado (não há impostos sem economia) e adiar ainda mais um crescimento económico indispensável para o País pagar as suas dívidas e sustentar-se a si próprio. Este orçamento não é apenas socialmente criminoso. É irresponsável.
Os deputados representam os cidadãos, não representam partidos políticos ou governos. Cada um é deles é responsável pelo seu voto, que não é delegável em nenhum líder parlamentar. Nenhum deles se pode esconder atrás da disciplina partidária ou de declarações de voto inconsequentes. Cada um deles, nominalmente, será responsável por todas as consequências que este orçamento venha a ter para o País. Não vale a pena, daqui a um ou dois anos, criticarem as decisões que tomaram, como se elas lhes fossem estranhas. Este orçamento é dos deputados porque foi para isso mesmo que os elegemos a eles e não aos ministros. É o governo que lhes deve obediência, não o oposto.
Se aprovarem um orçamento em que, como já todos perceberam, não acreditam, os deputados que suportam a maioria terão de ser, cada um deles, responsabilizados por todas as consequências económicas, sociais e políticas que dele advenham. E se elas forem a que toda a gente com o mínimo de bom senso prevê, os portugueses não se devem esquecer dos seus nomes. Quem falha num momento destes não deve continuar na vida política. Nem como deputado, nem como ministro, nem como presidente de uma junta de freguesia. Em próximas eleições, a forma como cada um destes representantes dos cidadãos tiver votado deve ser exibida como o mais importante elemento do seu currículo político. Se soubessem que assim seria talvez pensassem duas vezes antes de votar.
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/cada-um-dos-deputados-e-responsavel-pelo-que-nos-acontecer=f763329#ixzz2At3apFs9

21.10.12

Diz o Daniel Oliveira: "O que estamos a pagar e onde querem cortar"


O economista Nuno Moniz fez um excelente exercício. Criou uma aplicação (http://www.nunomoniz.com/orcamento2013/#/~/os-teus-impostos) em que as pessoas podem colocar os seus rendimentos anuais e ficam a saber quanto vão pagar (isto sem deduções) e para onde vai o seu dinheiro. O exercício é pedagógico. Porque diz onde estão as famosas "gorduras" que se querem cortar. E porque diz para onde vão os nossos impostos em despesas em que não se quer tocar.
Fiz o exercício com um casal com dois filhos que receba 24 mil euros por ano. Ou seja, mil euros brutos por mês cada um. O agregado paga 5,7 mil euros de impostos. 472 euros por mês. 69 euros vão para a saúde. 61 euros vão para a educação. Até agora, é dinheiro bem empregue. 78 euros vão para a segurança social, quase tudo para as transferências do Estado. 18 euros vão para a defesa e outros 18 vão para a segurança. 10 euros vão para a justiça. Um euro vai para a cultura, esse sorvedouro de dinheiro que os ultras do regime abominam. Um euro vai para a habitação. 19 euros vão para as autarquias. Já agora: 60 cêntimos vão para a Assembleia da República. Talvez ajude a refrear um pouco o populismo.
A maior rubrica é a das Finanças: 180 euros por mês. Mais de 11 euros vão para as PPP's. Mas o que realmente sai caro é isto: 64 euros vão para os juros da dívida. Ou seja, dos 472 euros de impostos, mais de 60 vão para pagar juros a bancos. Não é a dívida, entenda-se. As famílias pagam o mesmo em juros do que pagam, por exemplo, para garantir educação gratuita para os seus filhos. E esta é a única parte dos seus impostos em que a direita no governo e a que o contesta não está disposta a mexer.
Quando lhe falam em cortes na despesa, é sobretudo na educação, saúde e segurança social de que estão a falar. Aquelas em que seguramente o nosso dinheiro deveria ser mais útil. Ou um casal com dois filhos e dois mil euros por mês acha excessivo pagar 130 euros por educação e saúde? Algum privado, apesar de toda a lenga-lenga sobre a liberdade de escolha, o garante a este preço? Este é o Estado que eles querem emagrecer. Porque, dizem, é incomportável. E há a parte da despesa em que não querem tocar: os mais de 64 euros por mês para os juros da dívida. Tudo é negociável. Nenhum compromisso, a começar pelos compromissos sociais, vale nada. Mas estes juros são, para esta gente, inegociáveis. Está ou não está tudo de pernas para o ar?

15.10.12

Diz o Daniel Oliveira: "Orçamento: um crime de Estado"


O Orçamento para 2013, que será apresentado hoje, com mais ou menos pequenas alterações em relação ao que já se sabe, éum crime de Estado contra o País.
É, antes de mais, um crime contra a economia. Desviando somas colossais da economia para pagamento de juros usurários da dívida, será o golpe de misericórdia no mercado interno. Não sobrará dinheiro para nenhum consumo para além do essencial - e para uma enorme quantidade de portugueses, nem isso. Durante o ano de 2013, somar-se-ão as falências, os despedimentos em massa, as prestações das casas e as rendas por pagar. Este orçamento será uma hecatombe para os trabalhadores e para as empresas.
É, por isso, um crime contra as contas públicas. Porque é às empresas e ao trabalho que o Estado vai buscar a sua receita. Sem economia e sem emprego as despesas crescem - e contra isso restará acabar com os subsídios de desemprego e entregar uma parte significativa do País à miséria - e as receitas, por mais altos que sejam os impostos, caem a pique. Para resolver um problema agravaremos esse problema. Só um idiota não vê isto.
É um crime contra a classe média, que será esmifrada até ao último cêntimo. E é preciso ter em conta que a classe média em Portugal não é a classe média do resto da Europa. Vivia apenas com um bocadinho mais do que era necessário para ter o essencial. O bocadinho que sobrava para alguma poupança e algum consumo. Ou seja, grande parte da classe média será atirada para a pobreza. E, em todas as economias, a classe média é, muito mais do que as classes altas, o motor do mercado interno. É ela que garante grande parte do consumo.
É um crime contra a justiça social. A redução do número de escalões põe no mesmo saco pessoas classe média baixa e classe média, classe média e classe média alta, classe média alta e ricos. Os impostos que mais sobem são os da classe média baixa. Os que menos sobem são os que se situavam no que era o escalão mais alto. A sobretaxa, não sendo progressiva, aplica-se igualmente para todos.
É um crime contra a honra do Estado. Porque os pensionistas que recebem reformas "milionárias" de 1.300 euros são roubados nas suas poupanças. Eles confiaram o seu dinheiro ao Estado. E essa confiança dependia de um compromisso: que, descontado o que é necessário para a redistribuição dos rendimentos, esse dinheiro lhes seria devolvido quando deixassem de trabalhar. É extraordinário que este governo se preocupe tanto em passar a ideia de que honra os seus compromissos e paga as suas dívidas externas e não se incomode com a sistemática violação dos seus compromissos com os cidadãos portugueses e os calotes que lhes dá. Que os contratos das PPP's sejam inegociáveis mais os contratos com os portugueses não tenham qualquer valor.
É um crime contra a autoridade do Estado. Qualquer português, perante a escolha de deixar de comer, de deixar de mandar os seus filhos à escola, de deixar de ter casa onde viver ou de deixar de pagar impostos escolherá, como é evidente, não pagar impostos. Tentará (e quem o poderá condenar) fugir ao fisco. Tentará (e quem lhe apontará o dedo) enganar o Estado. Os que não o conseguirem fazer às escondidas farão às claras e esperarão por uma justiça atolada em processos. Será o salve-se quem puder. Ficarão os que nada podem fazer para fugir ao assalto a pagar a despesa.
Este orçamento é um crime. E como crime deve ser tratado. A partir de hoje, e confirmando-se as linhas fundamentais do Orçamento, é um imperativo patriótico impedir que ele seja aprovado. Na rua, nos tribunais, em todo o lado. E fazer tudo o que a lei permite para que estes loucos sejam escorraçados de São Bento.
https://www.facebook.com/danieloliveira.lx

13.9.12

Diz o Daniel Oliveira - Anatomia de um assalto (IV): as responsabilidades da oposição


Nunca foi tão evidente o divórcio entre um governo e o País. Nunca foi tão clara a indignação das pessoas. E a conversa do "inevitável" já não paga dívidas. Depois da quebra do produto em 3,3% no ano de vigência do memorando, de 416 novos desempregados por dia e de uma brutal quebra nos rendimentos do trabalho, o governo falhou no défice - em vez de 4,5%, 6,9% - e na dívida pública - entre o primeiro trimestre de 2010 e o mesmo trimestre de 2011 aumentou 20.7 mil milhões de euro; da assinatura do memorando até hoje aumentou 26.6 mil milhões de euros.
Sim, quando a troika chegou estávamos numa aflição. O PIB caia 0,7%. A dívida pública correspondia a 97% do PIB. O PIB agora cai 1,6%. E a dívida pública está nos 116% do PIB. Só o empréstimo e os juros agiotas que impedem que se possa chamar a isto uma ajuda levarão mais de 70% do que produzimos este ano. Não havia dinheiro, agora há ainda menos. Estávamos pobres, agora estamos miseráveis. Estávamos endividados, agora estamos mais.
Com as medidas anunciadas por Vítor Gaspar e Passos Coelho, assistimos à maior transferência de rendimentos do trabalho para o capital de que há memória na história portuguesa. Escrevi ontem que o governo tem uma estratégia. E que essa estratégia passa pelo empobrecimento do País (o próprio primeiro-ministro o afirmou), na esperança de, com uma violenta redução dos custos do trabalho, garantir um crescimento típico de uma economia terceiro-mundista: não acrescenta valor e não distribui riqueza. Mesmo que resultasse, e não resultará, esse crescimento passaria ao lado da esmagadora maioria dos portugueses. Tão ao lado como a crise passa de uma pequena minoria.
Perante o mais radical dos governos eleitos que este país já conheceu, perante uma subversão democrática que passa pela aplicação de medidas que são em tudo contrárias ao que foi prometido em campanha eleitoral, perante o pornográfico assalto aos rendimentos dos que vivem apenas do seu trabalho, perante a falência de todos os objectivos definidos por quem nos pediu sacrifícios e, muito mais importante, perante uma política de terra queimada que deixará uma marca de destruição durante décadas, vivemos um momento de emergência nacional.
Não basta os partidos da oposição concordarem com este diagnóstico. Têm de ser consequentes. Não é apenas ao governo que se têm de exigir responsabilidades. É a todos. Quem contesta este caminho tem de apresentar alternativas - há quem esteja a dedicar as suas energias a essa tarefa difícil, mas deixarei isso para amanhã - e saber como as pretende aplicar.
É apenas isto que falta para correr com esta gente: uma alternativa credível. Olha-se para os partidos da oposição e fica-se com a sensação de que, no meio da tragédia, continuam a sua vida como antes. A direção do PS parece estar convencida que pode, como de costume, ficar, com um ar muito responsável, à espera que o poder lhe caia nas mãos de podre. Perante a selvajaria apresentada no último fim-de-semana, Seguro exalta-se e... pede uma audiência com o Presidente da República. Nem é capaz de dizer o óbvio: que este orçamento terá de contar com o seu voto negativo. Parece haver, da parte do secretário-geral do PS, uma enorme dificuldade em perceber a diferença entre "responsabilidade" e "passividade". Só que a estratégia habitual, a do paciente candidato a primeiro-ministro que espera que o seu antecessor se estatele sem nada fazer, já não resulta. Para governar um País é preciso que ainda haja um país governável.
O PCP mantém-se na sua fortaleza, seguro da sua razão e sem contactos que o possam contaminar com a impureza alheia. O Bloco de Esquerda faz experiências, divide o seu pequeno poder por pequenos poderes internos, desbarata a sua credibilidade, que já foi tão abalada nos dois últimos anos, e sonha com transposições automáticas de uma realidade (a grega) que tão pouco tem a ver, na sua história e cultura política, com a nossa.
Sou, por natureza, optimista. Se não o fosse, há muito tinha deixado de me ocupar do debate político. Tinha ficado na plateia a comentar, sem correr o risco de me comprometer com causas, ideias, partidos. E a minha esperança reside no sobressalto cívico que esta crise começa provocar. E que esse sobressalto se transforme numa exigência. Não ao governo, que há muito se percebeu ser incapaz de ouvir o País. Mas a quem se apresente como alternativa.
Não há que temer as acusações sectárias do costume. Não há que temer as mútuas recriminações e lições de história, em que as responsabilidades do passado, que são tantas, servem apenas para nada mudar. Os tempos não estão para esses medos. Vivemos, vivemos mesmo, uma emergência nacional. Não há tempo para rodriguinhos e conversas a pensar nas susceptibilidades de cada capelinha. É como cidadão que quero correr com esta gente do governo. É como cidadão que preciso que uma alternativa possível se construa. Não dá para esperar mais umas décadas.
Que não se iludam os partidos da oposição. Se julgam que vão apanhar os cacos do desespero das pessoas, enganam-se. Se julgam que a contestação e o desespero acabará ordeiramente numa alternância ou num protesto que teme a vitória, não perceberam nada do que se está a passar neste País. As pessoas estão indignadas. Mas a sua indignação não atinge apenas o governo. Atinge todos os partidos e todos os "políticos". Pode ser injusto, mas em momentos como este paga quem falha por ação e por omissão. Ou os partidos da oposição conseguem dar uma resposta a isto, fazem um esforço para perceberem onde se entendem - com a humildade de reconhecer os seus erros e a coragem de serem claros em relação ao carácter antidemocrático deste memorando e à forma de o ultrapassar -, ou as pessoas não acreditam neles. E desistem. Emigram. Abstêm-se. Amedrontam-se. Para correr com esta gente é preciso perceber que há outra gente. Num país tomado pela desilusão, não é fácil. Mas esta dificuldade é a única coisa que nos sobra.
Porque um País não se faz apenas de partidos e de políticos, amanhã trato do resto. De nós todos. Porque um cidadão não é um cliente. Nem tem sempre razão, nem tem de comer e calar.
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/anatomia-de-um-assalto-iv-as-responsabilidades-da-oposicao=f752856#ixzz26M7PmyVm

11.9.12

Diz o Daniel Oliveira - "Anatomia de um assalto (II) - A mentira do combate ao desemprego"


O grande argumento para as medidas apresentadas por Pedro Passos Coelho é que elas são feitas em nome do emprego. Porque reduz os custos do trabalho. É curioso que tal objetivo não tenha mobilizado os representantes dos empresários em sua defesa. A razão é simples: é uma falácia. A minha dúvida é se o governo acredita na sua própria mentira. E o dramático é que provavelmente acredita.
Apenas as Pequenas e Médias Empresas são o grande empregador do País. Tendo, em geral, poucos trabalhadores, o efeito desta descida será marginal. Não chegará, em empresas que vivem com enormes dificuldades, para criar qualquer um único emprego. Estas empresas estão no osso. Despedirão quem puderem despedir e não empregarão mais ninguém.
Vivendo a esmagadora maioria do mercado interno, é da situação económica que o emprego que criem depende exclusivamente. Aumentar os impostos sobre o consumo, como o IVA, e reduzir ainda o mais o poder de compra dos portugueses, com mais austeridade e perda de rendimentos, como se fez agora com o aumento dos descontos dos trabalhadores para a segurança social, é o crime que as está a matar. Nenhuma destas empresas fica a ganhar com a redução das suas contribuições para a segurança social quando esta é acompanhada por uma perda brutal dos rendimentos de quem lhes compra o que produzem ou vendem.
As únicas empresas para quem esta medida teria um efeito significativo seriam as de grande dimensão, com muitos trabalhadores e onde estes tenham um peso significativo nos custos. As empresas de distribuição, como a SONAE e a Jerónimo Martins, por exemplo. Acontece que também elas dependem do consumo interno. Não por acaso, a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição veio a público dizer que "as medidas agora anunciadas pelo Governo irão certamente representar mais dificuldades para a vida quotidiana de milhões de portugueses, o que terá fortes repercussões para as empresas da distribuição, já a braços nos últimos tempos com quebras muito significativas nas suas atividades, e que se traduziu no encerramento de mais de 40 unidades e na eliminação de mais de 7.000 postos de trabalho". E estamos a falar de empresas que terão, com esta redução da TSU, um encaixe de milhões de euros. Mas não compensa. Só mesmo na página de Excel de Vítor Gaspar é que a economia funciona como se medidas destas não tivessem repercussões no consumo.
Menos consumo, menos emprego, mais falências. Qual é, para o Estado, o resultado destas medidas? Menos receitas fiscais e para a segurança social. Como se está a ver nos resultados deste ano. Ou seja, degradação da situação das contas públicas. Coisa que, se este governo fosse dirigido por pessoas capazes de aprender com os seus próprios erros, já se teria compreendido.
Serão os nossos ministros apenas estúpidos e teimosos? Em parte sim, em parte não. Há uma estratégia. Absurda e criminosa, é verdade. Mas é uma estratégia económica. E passa pelas empresas exportadoras e pelo anunciado empobrecimento dos portugueses. A isso irei amanhã.

10.9.12

Fiz o Daniel Oliveira - "Anatomia de um assalto: a mentira da equidade"


O Tribunal Constitucional foi claro: tirar dois subsídios aos funcionários públicos punha em causa a equidade. E não deixou espaço para equívocos: os recursos que o governo procurava não podem apenas ser retirados dos rendimentos do trabalho.
As medidas apresentadas na sexta-feira pretendem, segundo o governo, responder a esta decisão de um tribunal superior. O resultado foi este: continuam a retirar-se dois subsídios aos funcionários públicos e a roubar-se dois aos pensionistas. Acrescenta-se ao assalto um salário retirado, por via dos descontos à segurança social, aos trabalhadores do privado.
Tirando a generalização do roubo aos trabalhadores por conta de outrem, onde está a equidade? Onde está o contributo, pedido pelo Tribunal Constitucional, do capital? Passos Coelho anunciou que ele viria. Mas absteve-se de apresentar qualquer proposta. Suspeito da razão para tal omissão: é provável que a apresentação do que será pedido a quem vive do seu salário no mesmo momento em que se apresentasse alguma evolução na taxação de outras fontes de rendimento tornasse demasiado clara a desigualdade na distribuição de sacrifícios.
Mas Passos Coelho foi bem claro quanto ao destino a dar ao dinheiro dos salários roubados aos trabalhadores, através do aumento em 60% dos seus descontos para a segurança social: uma parte vai para o Estado, tentando assim tapar a cratera que a desastrosa política fiscal de Vítor Gaspar nos deixa, a restante vai para o empregador, com a redução da taxa social única. Ou seja, a desigualdade na distribuição de sacrifícios, em vez de ser amenizada, com exigia o Tribunal Constitucional, foi reforçada. Não há mais equidade, há menos. É aos que têm pago sozinhos esta crise que tudo continua a ser exigido. Já muito para lá do que lhes é humanamente possível dar.
Esta injustiça, repetida vezes sem conta, dificilmente poderia, no país mais desigual da Europa na distribuição de rendimentos e o que, desde a crise, tornou o seu sistema fiscal mais injusto, fazer alguma coisa pela economia portuguesa. Mas, reduzindo ainda mais o poder de compra e rebentando definitivamente com o mercado interno, apenas ajudará mais um pouco a afundar o País. O resultado da receita já se conhece: aumento do desemprego, queda do PIB, queda das receitas, desastre no défice. O dois em um: mais longe de recuperar a economia, mais longe de sanear as contas públicas. O pleno, portanto. Se não resultou antes, não passará a resultar agora.
O mesmo governo que sistematicamente rouba nos rendimentos do trabalho, não se preocupando sequer em dar a ideia de que quer distribuir com alguma justiça os sacrifícios, nada muda na sangria dos dinheiros públicos e da economia para pagar rendas a quem tenha bons contactos ou um monopólio. A Parceria Público-Privada para a construção do Hospital de Todos os Santos, que substituirá vários hospitais públicos existentes, segue em frente com a bênção da troika. A peregrina ideia de concessionar um canal da RTP, pondo os contribuintes a pagar um negócio privado, ainda não foi definitivamente enterrada. E a EDP continua a sugar as empresas, contribuindo para custos de contexto insuportáveis. Não, não estamos perante um governo "reformista". Os interesses que contam continuam intocados. Estamos perante assaltantes que só conseguem fazer grossa para a arraia miúda.

23.4.12

Diz o Daniel Oliveira: "Sarko refém de Le Pen"



A vitória de François Hollande nas eleições francesas, com 28,8% dos votos, e uma possível vitória na segunda volta (não vale a pena fazer contas de somar, porque a extrema-direita nunca esteve, longe disso, no papo de Sarko - as sondagens indicam uma vitória do candidato socialista com 54%), abrem a porta para uma mudança na Europa.
Não me engano. Se vencer, Hollande não romperá com o consenso austeritário europeu. Talvez em França. Mesmo Sarkozy já tinha deixado claro que a austeridade, que é boa para os outros, não chegaria a Paris. Mas, como solução para os países periféricos, tudo indica que as coisas não mudarão radicalmente na Europa com estas eleições. Elas têm, no entanto, um valor simbólico indiscutível. A punição de Nicolas Sarkozy (26,1%), depois de se ter entregue, em grande parte do seu último mandato, ao triste papel de marioneta da senhora Merkel, pode ajudar a romper o eixo Berlim-Paris que durante anos garantiu a construção europeia e agora garantia a sua destruição.
Não é irrelevante o resultado de Jean-Luc Mélenchon, candidato da Front de Gauche - coligação entre comunistas e dissidentes de esquerda do PSF. Apesar de não ter chegado aos sonhados 15%, conseguiu uns reconfortantes 11,7%. Hollande vai precisar dos seus votos, o que pode implicar um referendo ao novo tratado. Um chumbo francês ao tratado pode ser o travão que tem faltado ao desvario autoritário alemão, que pretende não apenas impor limites burocráticos aos défices das Nações, mas um autêntico programa de governo vitalício, que destrói todo o sentido da própria democracia.
A alternativa a um governo que dependa da esquerda para governar ficou em terceiro lugar nas eleições. É o populismo xenófobo de Marine Le Pen, com uns assustadores 18,5%, o melhor resultado de sempre da extrema-direita francesa. Já muitos tinham avisado: a decadência das lideranças europeias traria os velhos fantasmas de volta.
Como um candidato centrista François Bayrou se ficou pelos 8,8%, Sarkozy depende dos votos da extrema-direita para ser eleito. E é a esse eleitorado que vai dirigir o seu discurso. Todos conhecemos a face mais sinistra de Sarko. Não hesitará em mostrá-la. Tem apenas um problema: para tapar a cabeça com o cobertor ficam os pés de fora. O eleitorado de centro não o seguirá se se dirigir à França mais racista. A segunda volta pode ser incerta, mas será mais fácil para Hollande contar com o voto certo dos eleitores mais à esquerda do que a Sarkozy fazer o pleno da direita.
Como última nota, ficou um aviso para duas estratégias falhadas à esquerda: a da fraqueza de uma pré-coligação com os socialistas sem qualquer condição prévia e sem a força dos votos - a ecologista Eva Joly teve apenas 2,3% dos votos -, como se as alianças futuras não exigissem nem votos nem conteúdo; e a do isolamento auto-satisfeito da extrema esquerda - o candidato Philippe Poutou, do Partido Anticapitalista, teve apenas 1,2%. A unidade exige votos e ideias, os votos e as ideias conseguem-se combatendo o sectarismo.
Ler mais: http://expresso.sapo.pt/sarko-refem-de-le-pen=f720950#ixzz1stzy7dhr

11.4.12

Diz o Daniel Oliveira: Maternidade Alfredo da Costa: nem as joias de coroa escapam ao saque



Se tivéssemos de escolher um símbolo de uma evolução positiva de Portugal desde o nascimento da democracia provavelmente a escolha mais acertada seria a drástica redução da mortalidade infantil.
Portugal tem uma das taxas de mortalidade infantil mais baixas do Mundo. Estamos no topo, com uma média inferior aos países da OCDE e sendo o 6ª melhor da União Europeia. E éramos, antes do 25 de Abril, o pior país da Europa. Em 1960 morriam 77 crianças com menos de um ano em cada mil nascidas. Números que podemos hoje observar na Guiné Equatorial, na Libéria ou no Sudão. Em 2011 morriam apenas quatro, números muito próximos da Holanda, da Bélgica ou da Dinamarca. Em apenas duas décadas (anos 80 e 90), a mortalidade infantil desceu 79%, a mais rápida evolução que se conhece até hoje no Mundo. Teremos poucos records de que nos orgulhar. Este é, seguramente, um dos mais relevantes. Em pouco tempo passámos do terceiro Mundo para o melhor do primeiro. Num indicador que diz imenso sobre as prioridades de um País.
Para estes números contribuiu, de forma determinante, a criação de uma rede de cuidados de saúde pública materno-infantil, que funciona de forma exemplar. E para a sua construção trabalharam vários governos, do PS e do PSD, naquilo que parecia ser um dos poucos consensos políticos nacionais com vantagens para os portugueses. E dessa rede, um dos símbolos de qualidade e excelência, é a Maternidade Alfredo da Costa. Não é um hotel de luxo. Quem procura conforto não escolherá aquela maternidade. Mas quem se quer sentir seguro, na cidade de Lisboa, não hesita. Foi naquela maternidade que a minha filha nasceu, como nasceram muitos lisboetas.
Os burocratas do Ministério da Saúde falam da possibilidade de encerrar a Maternidade Alfredo da Costa. Como de costume, apresentam números de uma capacidade excedentária nesta área. Mas muitos não ignoram o valor do edifício da MAC, bem no coração da cidade. O desmantelamento das funções sociais do Estado, que os contabilistas deste governo estão a levar a cabo, não poupa vítimas. E nem o que de melhor o Estado fez neste País, motivo de orgulho de profissionais e cidadãos, será poupado. O saque é geral. Nem o essencial do essencial ficará de fora.

9.4.12

Diz o Daniel Oliveira: "Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?"



Quando estava em campanha Pedro Passos Coelho criticou os sacrifícios exigidos aos portugueses. E disse, curiosamente no dia 1 de Abril de 2011: "eu já ouvi o primeiro-ministro dizer infelizmente que nós queríamos acabar com muitas coisas e também com o 13º mês mas nós nunca falámos disso e isso é um disparate".
A 17 de Outubro de 2011, depois de ter feito o que era "um disparate" antes dos portugueses irem a votos, o ministro das Finanças disse: "o corte no subsídio de férias e de natal é temporário e vigorará durante o período de vigência do programa de ajustamento económico e financeiro e o período de vigência desse programa acaba em 2013".
A 4 de Abril de 2012 o primeiro-ministro disse: "A partir de 2015 haverá reposição desses subsídios. Com que ritmo e velocidade não sabemos". Antes de assumir esta alteração de prazos vários membros do governo ainda tentaram convencer os portugueses que nunca se tinham comprometido com a reposição dos subsídios em 2014.
Foi agora anunciado que essa reposição será feita às pinguinhas. Ou seja, o corte que era um disparate antes das eleições foi feito depois das eleições. Com o compromisso de voltarem a ser pagos em 2014. Nem serão pagos, na realidade, em 2015.
O governo falhou duas vezes o compromisso com os portugueses. Antes de ter o voto, prometeu que não faria o que fez. Antes da aprovação do orçamento, comprometeu-se com uma data que não vai cumprir. Em nenhum dos casos assumiu as suas mentiras.
"Como é possível manter um governo em que um primeiro-ministro mente?" A pergunta foi feita por Passos Coelho referindo-se a José Sócrates. Era justa na altura. É justa agora.

10.3.12

Diz Daniel Oliveira: "Não reduzir os salários na TAP? Claro!"



Ao que tudo indica, os trabalhadores da TAP vão conseguir ficar de fora das reduções salariais para a Função Pública e empresas do Estado, exceção feita ao saque aos subsídios de Natal e de Férias. Antes de comece a conversa do costume, estamos a falar dos trabalhadores da TAP, e não apenas dos pilotos. Ao contrário do que se pensa, a maioria deles não recebe propriamente nenhuma fortuna. É possível que a Caixa Geral de Depósitos siga este exemplo. O argumento que se apresenta é este: são duas empresas que vivem em ambiente de concorrência. Uma queda salarial pode resultar em perda de quadros.
Algumas coisas a dizer sobre o assunto:
1. Cada trabalhador que consiga não perder parte do seu salário tem o meu aplauso. A redução salarial é um erro. É um erro para a saúde da nossa economia e para as contas do Estado, que perderá milhões em impostos. Quanto menos for aplicado mais ficamos todos a ganhar.
2. A aplicação destas reduções apenas à Função Pública e a empresas do Estado é já, por si só, um ato discriminatório. Defender coerência e justiça numa decisão incoerente e injusta não faz grande sentido. Se o governo tem dois pesos e duas medidas não deve causar grande escândalo que tenha três, quatro ou cinco pesos e medidas. A discriminação é a marca desta decisão contra os trabalhadores do Estado. Ponto.
3. Talvez o argumento mais evidente, que torna a campanhia aérea diferente das restantes empresas do Estado, é que a TAP não recebe, por impedimento comunitário, subvenções do Estado. A razão é simples: seria, nas cabeças liberais europeias, uma perturbação da sacrossanta concorrência. É estranho que, na hora de reduzir salários, o Estado passe a tomar decisões sobre dinheiro que não é propriamente seu. O mesmo Estado que não dá um tostão a uma empresa decide como ela deve gastar o dinheiro que resulta exclusivamente dos seus resultados? Como não põe dinheiro na TAP, o Estado não iria poupar um tostão com estas reduções salariais. Pelo contrário, iria apenas perder em impostos.
4. Os salários dos trabalhadores das empresas de capitais públicos não estão indexados aos salários da Função Pública. Não faz sentido que, na hora dos cortes, passem a estar.
5. Em processo de privatização, os salários cortados em empresas como a TAP ou a REN irão, na realidade, para o bolso dos novos acionistas que, provavelmente, nem empresas portuguesas serão. Ou seja, é dinheiro que será retirado à nossa economia e à capacidade de consumo dos portugueses.
6. O argumento da concorrência é mesmo o único que não me interessa. No mercado de trabalho, todos concorrem com todos. A Função Pública, por exemplo, tem quadros superiores que os privados cobiçam. Os hospitais estão a perder, todos os dias, os seus melhores médicos. O argumento da concorrência aplica-se a todos. Mas se este argumento vingar, também tem de ser aplicado ao ensino, à saúde e, claro, à RTP. Todos lidam com concorrentes privados.
Não, não alinho na estratégia nacional de colocar trabalhadores contra trabalhadores para nivelar todos por baixo. Trabalhadores do privado contra trabalhadores do público, trabalhadores do público contra trabalhadores do privado, funcionários públicos contra trabalhadores de empresas do Estado, desempregados contra empregados, trabalhadores precários contra trabalhadores com vínculo, jovens trabalhadores contra os mais velhos. Perante uma medida errada, a vitória de cada um só me pode satisfazer. Quem gasta as suas energias a defender a generalização da asneira faz um favor aos promotores da asneira. Por isso, espero que os trabalhadores da TAP consigam ficar de fora da asneira. No caso, até há, como se viu, bons argumentos para esta decisão. E que, abrindo o precedente, outros consigam o mesmo.


Ler mais: http://aeiou.expresso.pt/nao-reduzir-os-salarios-na-tap-claro=f710121#ixzz1oioeo6XO

8.3.12

Diz o Daniel Oliveira: "Julgamento na Islândia"

O julgamento da política cabe à política. Ou seja, cabe ao povo através do voto e da cidadania. Isto é verdade e é má ideia tentar judicializar a democracia. Até porque essa judicialização pode resultar numa desresponsabilização dos cidadãos, na hora de fazerem as suas escolhas.
Mas, como quase todas as verdades, há uma fronteira a partir da qual elas perdem validade. Poderíamos, por exemplo, dizer o mesmo das empresas. O julgamento da qualidade da gestão de uma empresa mede-se pelos seus resultados e cabe acionistas fazer as escolhas certas na hora de escolher quem dirige os seus negócios. No entanto, quando um gestor é extraordinariamente negligente, corrupto ou esconde a verdade pode e deve ser julgado por gestão danosa. Até porque, numa empresa, não se jogam apenas os interesses dos acionistas. O mesmo pode acontecer a um político. Porque se os cidadãos têm obrigação de estar atentos, há pormenores da governação e da situação económica que só podem conhecer se quem os governa quiser.
A Islândia está a julgar o seu ex-primeiro-ministro. Deverá responder por não ter acautelado o crescimento do sector bancário e assegurado que as contas do Icesave no Reino Unidono Reino Unido e na Holanda estavam ligadas a filiais nesse País. Resumindo: é acusado de não ter posto ordem no casino e de, perante o desastre eminente e evidente, não ter agido.
Não ignoro os riscos deste tipo de julgamentos. A Islândia vive, depois da crise, um ambiente político bem diferente do que vivia antes. Faltaria saber se os próprios islandeses, perante o dinheiro que desaguava no País, quiseram saber de onde ele vinha. Se, antes da tragédia, fizeram, como cidadãos, tudo para que ela não acontecesse. Afinal de contas Geir Haarde não chegou a primeiro-ministro por obra do acaso e a política de desregulação que o seu partido aplicou não resultou de um golpe de Estado ditatorial.
Ainda assim, há uma fronteira entre a escolha política e a irresponsabilidade criminosa. É pela segunda e não pela primeira que Haarde vai responder. Se justiça não se pode substituir à democracia, o voto não pode legitimar tudo. Com todos os perigos deste julgamento inédito, poderá ser, se for exemplar na sua capacidade de não se deixar influenciar pelo justificável desespero dos islandeses, um aviso para muitos governos: para que saibam que o voto não é o cheque em branco. Espera-se, no entanto, que a lição não seja a oposta: a de que os tribunais podem resolver as escolhas erradas dos eleitores.


Ler mais: http://aeiou.expresso.pt/julgamento-na-islandia=f709597#ixzz1oSjfvZx2

31.1.12

Diz o Daniel Oliveira: da assustadora ousadia alemã a uma mão cheia de nada


Confesso que há coisas que não esperava assistir na minha vida. 65 anos passados do fim da II Guerra, do perdão europeu e americano ao criminoso expansionismo alemão, de todas as concessões para garantir a paz, da construção do que viria a ser uma União Europeia baseada na boa relação e solidariedade entre os europeus, do enorme apoio que a Alemanha recebeu da Europa para a sua reunificação e da ajuda que o euro significou para a sua economia, a proposta de uma segunda "ocupação" de Atenas, através do sequestro da sua soberania orçamental por Berlim, é mais do que um insulto à memória coletiva da Europa. É um ato hostil contra um país da União.
Na Grécia, segundo sondagem recentes do semanário Epikaira, os partidos contra o acordo com a troika representam já quase 40% dos votos. Os dissidentes de esquerda do PASOK têm 13% e os comunistas do KKE e a esquerda do Syriza (o BE lá do burgo) 12,5% cada um. A direita fica abaixo da soma destes partidos (Nova Democracia com 30,5% e os extremistas do Laos com 6%) e os antes poderosos socialistas com uns humilhantes 12% (arriscam-se a transformar-se na quinta força política). A reação à loucura de Bruxelas já se sente na Grécia e o governo de "tecnocratas" começa a ter pouca margem de manobra. E isto explica a frase do ministro das finanças grego, Evangelos Venizelos: "quem põe um povo perante um dilema entre a ajuda financeira e a dignidade nacional ignora as lições da históricas fundamentais". Ponham muitas aspas em "ajuda" e têm a verdade nua e crua do que está em causa.
E não, não me venham de novo com a falta de paciência dos alemães para o mau comportamento do Sul. Socorro-me das palavras de Anatole Kaletsky no "The Times": "A verdadeira causa do desastre do euro não é a França, a Itália ou a Grécia. É a Alemanha. O problema fundamental não reside na eficiência da economia alemã, embora tenha contribuído para a divergência dos resultados económicos, mas no comportamento dos políticos e banqueiros centrais alemães. O Governo alemão não se limitou a vetar permanentemente as únicas políticas que podiam ter colocado a crise do euro sob controlo - garantias coletivas europeias para dívidas nacionais e intervenção em grande escala do Banco Central Europeu. Para piorar a situação, a Alemanha tem sido responsável por quase todas as políticas erradas postas em prática pela Zona Euro, que vão desde subidas loucas da taxa de juros no ano passado pelo BCE até exigências excessivas de austeridade e perdas bancárias que agora ameaçam a Grécia com uma bancarrota caótica."
O melhor retrato da cimeira de ontem é este: enquanto, nos salões, os governantes continuam cegos ao que se passa na Europa, Bruxelas estava paralisada por uma greve geral, o que obrigou os chefes de Estado a deslocarem-se para a cimeira de helicóptero e a usarem bases militares. O caos que a medíocre classe política europeia está a criar na Europa poderá vir a ter um preço bem mais alto do que se imagina.
À peregrina ideia dos alemães aconteceu o que tinha de aconteceu: morreu. Foi até aprovado um pacote pelo emprego e até ouvimos umas frases redondas sobre o crescimento. E segue, através do "pacto orçamental", a imposição de défices burocráticos à custa da ruina das economias que só garantem um ainda maior desequilíbrio nas contas públicas (que, vejam bem, dependem da saúde económica dos países).
Casar a austeridade com o crescimento, é o que se defende. Parece que vai demorar algum tempo até que se perceba que austeridade e crescimento, em plena crise económica, é um matrimónio sem futuro. Mais esta aspirina, sem as medidas que são defendidas por Kaletsky no "The Times", terá o mesmo efeito que as medidas decididas nas anteriores cimeiras. Está, portanto, tudo na mesma. Ficamos à espera de saber qual a sentença para os gregos. Provavelmente ficarão mais tempo ligados à máquina, sem a esperança de sobreviver a esta criminosa "cura".

17.1.12

Diz o Daniel Oliveira: "Trabalhadores vão financiar a redução do seu salário"


Os jornais dão conta de mais uma proposta do governo: os desempregados que aceitem um emprego com um salário inferior ao seu subsídio poderão manter até 50% desta prestação social nos primeiros seis meses de trabalho e até 25% durante os seis meses seguintes. À primeira vista a proposta parece boa. O desempregado regressa ao mercado de trabalho sem reduzir os seus rendimentos, o desemprego reduz-se e, no fim, o Estado até é capaz de poupar. Mas não é.
O subsídio de desemprego, que pertence por direito ao trabalhador, já que para o receber descontou enquanto trabalhava, tem duas funções. A primeira é óbvia: socorrer o desempregado num momento de aflição. Deste ponto de vista, sendo a aceitação desta proposta voluntária (isso ainda não é claro nas notícias), estamos perante uma solução aceitável. Mas o subsídio de desemprego tem outro objetivo: impedir que o aumento do desemprego resulte numa redução geral de salários. O Estado, através dos descontos para a segurança social, garante que o trabalhador desempregado não é obrigado a aceitar salários cada vez mais baixos. O trabalhador desconta para, se perde o emprego, não se transformar numa insuportável e imediata pressão para a redução do salário dos que trabalham e dele próprio, no futuro.
Ou seja, impede que o desemprego sirva para uma redistribuição dos rendimentos ainda mais injusta entre o trabalho e o capital. Vai contra a mera lógica do mercado? Claro que vai. Mas é essa é uma das funções das leis laborais ou do Estado Social: contrariar a dinâmica intrinsecamente injusta das regras do mercado para a parte mais fraca.
O que faz esta proposta? Usa o dinheiro da segurança social para financiar a redução dos salários. Não sendo, a curto prazo e para cada um dos desempregados, negativa, ela é péssima para o conjunto dos trabalhadores. Retira ao subsídio de desemprego a sua função reguladora do mercado. Ajuda a uma pressão geral para a redução salarial. E fá-lo usando os descontos dos próprios trabalhadores. Ou seja, põe os trabalhadores a subsidiar a sua própria desgraça. Faz mais do que isso: convida, através deste subsídio à redução do salário, o empregador a baixar a média salarial que pratica.
Quem olhe para o Estado Social como um mero instrumento de caridade e quem acredite que o mercado garante um equilíbrio virtuoso, dificilmente entende este ponto de vista. Quem, pelo contrário, defenda que o Estado Social deve ser um regulador do mercado não pode aceitar esta proposta. É que ela será paga com um empobrecimento geral dos trabalhadores e um aumento da desigualdade na distribuição de rendimentos. Que é, devo recordar, a principal doença deste país.

6.12.11

Diz o Daniel Oliveira: "O governo usa a polícia para instigar a violência?"


Quando, no dia da Greve Geral, sindicatos e manifestantes dispersos informaram da presença de agentes infiltrados na concentração em frente à Assembleia da República, a PSP e o ministro da Administração Interna desmentiram. Perante as imagens captadas por anónimos e jornalistas de um polícia à paisana a espancar um cidadão, a polícia informou que se tratava de um cidadão alemão procurado pela INTERPOL. Revelou-se uma imaginativa falsidade. Se fosse verdade seria muito grave, já que a pessoa em causa saiu em liberdade, por ordem do tribunal, no dia seguinte.
Saltando de mentira em mentira, o assunto foi morrendo nos jornais. Mas as imagens de vídeo e de fotografias (assim como a pesquisa das imagens de televisão transmitidas naquele dia) começam a deixar clara uma coisa muitíssimo mais grave: tudo aponta para a existência de agentes provocadores naquela manifestação. Ou seja, agentes à paisana que instigaram a atos de violência, que insultaram e provocaram os seus colegas, fazendo-se passar por manifestantes (tudo convenientemente próximo da comunicação social), e que até estiveram na primeira linha do derrube das barreiras de segurança. Ou seja, que acicataram os manifestantes mais exaltados, fazendo-se passar por seus "camaradas", e que criaram o ambiente que justificaria, de alguma forma, uma intervenção policial em direto nos canais de notícia, ofuscando assim a greve geral.
A confirmarem-se todas as informações documentadas por imagens que vão chegando à Internet (a polícia já confirmou que dois homens que aparecem em fotografias a envolverem-se em desacatos contra os seus colegas são agentes) isto tem de ter consequências. Como cidadão pacifico e cumpridor da lei, quero poder usar da minha liberdade de manifestação, consagrada na Constituição, sem correr o risco de me ver no meio de uma guerra campal. É essa, supostamente, a função das forças de segurança. Se elas trabalham no terreno para causar os distúrbios (justificando uma intervenção que ajuda a criminalizar o protesto e ofuscar os objetivos das manifestações), elas passam a ser um factor de insegurança e de ilegalidade.
Claro que não acredito que aqueles agentes, a confirmar-se o que as muitas imagens que por aí circulam indiciam de forma tão esmagadora, tenha agido por mote próprio. Por isso, quero saber quatro coisas:
1. Se está garantida uma investigação independente - é para isto que serve a Inspeção Geral da Administração Interna (IGAI) - para saber quem são aqueles homens que ora aparecem a insultar e provocar polícias ora aparecem a ajudar a prender manifestantes?
2. Caso se confirmem as suspeitas, de onde veio a ordem para ter agentes à paisana numa manifestação com o objetivo de criar um ambiente violento naquilo que deveria ser uma manifestação pacifica?
3. Caso essa ordem tenha vindo da direção-geral da PSP (seria ainda mais assustador perceber que a polícia está em autogestão), o que pretende fazer o ministro com o seu diretor-geral? Deixar à frente das forças de segurança pública um agitador que espalha a desordem nas manifestações?
4. Caso a ordem tenha vindo da direção-geral da PSP com o conhecimento do ministro, o que pretende fazer o primeiro-ministro? Deixar no seu lugar um político apostado a criar um clima de insegurança nas manifestações e assim violar um direito constitucional?
Por mim, como cidadão, não desistirei deste tema até as imagens que estão disponíveis serem devidamente esclarecidas e, caso se prove o que elas indiciam, os responsáveis por este ato contra a paz social e a liberdade sejam politicamente, disciplinarmente e criminalmente punidos. E pelo menos nisto, junto-me ao Sindicato do Ministério Público e ao Bastonário da Ordem dos Advogados que exigem esclarecimentos e as devidas medidas de punição para os responsáveis.
Nada tenho contra a PSP. Nem contra a instituição, nem contra os seus profissionais, que também são vítimas da austeridade. Considero que a polícia, quando faz o seu trabalho, garante a nossa liberdade. Incluindo a liberdade de manifestação, impedindo que provocadores ou idiotas se aproveitem de protestos pacíficos para espalhar a violência. Mas quando a polícia serve (ou é usada pelo poder político) para criar um ambiente de medo e um clima de violência que justifique a limitação das liberdades fundamentais, não posso, como cidadão, ficar em silêncio. Nem eu, nem todos os que acreditam e defendem a democracia.
Do muito que está disponível, podem ver este vídeo, estas fotos e esta notícia:


Ler mais: http://aeiou.expresso.pt/-o-governo-usa-a-policia-para-instigar-a-violencia=f692344#ixzz1fkyaaayt

1.12.11

Diz, com muita piada, o Daniel Oliveira - "Os tampões de Américo Amorim"


Sabíamos que o homem mais rico de Portugal não era rico. Era apenas um trabalhador, nas suas próprias palavras. As Finanças foram ver as contas deste humilde trabalhador - o mesmo que, ainda a crise não tinha a começado, já estava a fazer despedimentos preventivos nas suas empresas - e descobriu umas irregularidades. Quer-lhe cobrar mais 750 mil euros de IRC. E ele, claro, que é apenas um trabalhador, recusa-se a pagar.
Parece que os Serviços de Inspeção da Direção de Finanças de Aveiro descobriram centenas de milhões de euros em despesas pessoais na empresa Amorim Holding2. Entre elas, viagens da família a destinos turísticos, massagens, contas de mercearia e tampões higiénicos que, só não sabe quem não passou por isso, são fundamentais para o desempenho profissional de Américo Amorim. Na empresa mãe deste simples trabalhador encontrou 3,1 milhões de despesas indevidas.
Quero manifestar aqui a minha solidariedade com Américo Amorim. É escandaloso que, com tanta gente rica a fugir aos impostos, vão atrás da arraia miúda. E nada escapa a este espírito pidesco. É que um homem nem pode passar por dias difíceis? Diz-se que os artigos de higiene feminina que usou para fugir ao fisco são de boa qualidade quando não se sentem e não se veem. É como os impostos do senhor Amorim: ele não os sente e nós não os vemos.
Ler mais: http://aeiou.expresso.pt/-os-tampoes-de-americo-amorim=f691063#ixzz1fFETaUXd

27.11.11

Diz o Daniel Oliveira: Nem para mentir este governo tem competência

O governo avançou, ondem ao fim da manhã, com números de adesão à greve geral - que qualquer pessoa com olhos na cara percebeu que foi superior há de há um ano - na administração pública: 3,6%. O relatório dos números era hilariante, com sectores inteiros de milhares de trabalhadores e fortes níveis de sindicalização com zero grevistas (é que nem os delegados sindicais fizeram greve, meus senhores). A preocupação deste governo com a sua própria imagem é tão baixa que nem se preocupa que a sua palavra possa ser facilmente posta em causa por aqueles que, nem tendo feito greve, sabem que colegas seus a fizeram. O rating da credibilidade deste governo está como o da nossa dívida pública: no lixo. Mas quem tem, no dia da greve geral, como seu principal porta-voz, uma figura como Miguel Relvas não precisa de se esforçar para se ridicularizar.
Depois atualizou os números: 10%. Não sei se, de madrugada, já tinham chegado a qualquer coisa que merecesse sequer a nossa atenção. Mas tenho um conselho para o governo: da próxima vez, nomeia um grupo de trabalho - talvez dirigido por João Duque- para analisar os números da greve. Com sorte, dizem uma coisa ainda mais estapafúrdia do que diria Miguel Relvas. Tem resultado: fazer encomendas a gente com ainda menos credibilidade do que ele para ele parecer apresentável.
Agora mais a sério. Dizia António Aleixo que "para a mentira ser segura e atingir profundidade tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade". É que nem para aldrabar esta gente tem talento.
Mas o governo não fica sozinho na falta de rigor e na manipulação. O jornal I fez ontem uma capa onde se lia: "Bom dia Portugal e bom trabalho". A folha de couve em que se tornou aquele jornal apelava assim à não adesão à greve. Está no seu direito. Como por lá os colunistas escrevem à borla - há quem ache, lá saberá porquê, que é isso que vale o seu trabalho -, compreende-se o ponto de vista do ativista que dirige tão singular publicação: se vendemos o trabalho gratuito dos outros como poderíamos sequer tolerar a ideia de que quem trabalha faça exigências? Talvez por isso pouca gente compre a coisa. Com capatazes assim e "empresários" do mesmo calibre (Jaime Antunes, mandatário, nas últimas eleições, de Passos Coelho em Ourém, deve ser recordista de flops editoriais) percebe-se porque este país não anda para a frente.
As televisões também fizeram bem o seu trabalho. Às vezes nem percebo porque tentam os governos manipular os jornalistas. Nem precisam de se dar ao trabalho. É fazer figas (ou mais do que isso) para que haja um "incidente" e está feito o noticiário de uma greve. E o argumento: a austeridade é inevitável e só arruaceiros se opõem a ela. E, para falar da greve, Miguel Relvas e o presidente da CIP fizeram as honras da casa em televisões generalistas e por cabo. Ainda assim, a greve aconteceu. Como sabe quem conhece o País fora do telejornais e dos delírios do ministro Relvas.