Escrevi, em outro local, e repito-o neste, que o ciclo Passos Coelho terminou
com a declaração da última sexta-feira. A cabisbaixa confissão de derrota possui
a dimensão de uma indignidade. O homem conduziu-nos à miséria e diz-nos,
indirectamente, que não consegue resolver a embrulhada. Por outro lado, o dr.
Vítor Gaspar, substituiu-o como emissário de desgraças: em lugares diferentes,
Parlamento, SIC e "Diário de Notícias" avisa que a "austeridade" vai continuar
e, até ao fim do ano, vamos levar com mais sarrafo.
Com aquela voz de
caixeiro-viajante de uma casa de caixões, e no estilo barroco que nos deixa
sonolentos, adianta: "Os portugueses estão dispostos a fazer sacrifícios."
Ignora-se quem o autorizou a falar em nosso nome; mas creio que a afirmação,
além de tola, é abusiva. O declínio deste Governo acentua-se; e, como em todos
os casos semelhantes, o estrebuchar é extremamente violento.
A onda de
protestos indignados que percorre, transversalmente, a sociedade portuguesa é de molde a deixar-nos preocupados. Se as manifestações se tornam
imprevisíveis porque afastadas de estruturas orgânicas, então, não haverá
controlo possível e as frase do dr. Gaspar transferir-se-á para o universo da
anedota. Pensando a frio e depois de analisados os factos e os ditos, estamos
perante terrorismo governamental. Como afirmou o prof. Freitas do Amaral, as
decisões deste Executivo colocam-no na área da ilegitimidade. Perante isso, toda
a reacção é admissível. O ressentimento, o rancor e o ódio cada vez mais
alargados podem impelir para atitudes mais inquietantes. A ministra Assunção
Cristas quase levou com um ovo numa sessão pública. E as cenas a que temos
assistido comportam, em si mesmas, uma ira e uma cólera indomináveis.
A
incompetência e a soberba do Governo quase não encontram defensores. E as
repulsas não têm limites políticos ou partidários: procedem de todos os lados.
Até aquele grave senhorito, Nogueira Leite, parece, tão lesto em apoiar Passos
Coelho na campanha para a presidência do PSD e tão agressivo nos discursos e nas
entrevistas, acaba de escrever, no
Facebook, que, se lhe
forem mais aos bolsos, "pira-se", é o termo por ele usado. Além de desprovida de
pudor, a declaração fornece o retrato ético desta gente.
A sociedade está
em turbilhão e as inquietações assumem aspectos que não devem ser ignorados. A
dr.ª
Manuela
Ferreira Leite, na
TVI, desmantelou todo o
sentido deste Governo, fornecendo, também, a ideia do que pensa um importante
sector do PSD. Por outro lado, já se torna impossível tapar as fissuras na
coligação. E os prolongados silêncios de
Paulo Portas são
particularmente significativos. Em outros Governos, estes mutismos do dirigente
máximo do CDS-PP, queriam dizer que as coisas estavam tremidas. Portas, dos
políticos mais astutos e qualificados de que a Direita dispõe, percebeu que as
inépcias e leviandades do parceiro de coligação terão, necessariamente, de se
reflectir não só no CDS como nele próprio, pormenor que o horroriza, por poder
molestar a sua reputação.
Todos os ministérios estão a ser assolados por
vendavais de protestos. O da Educação, esse, dirigido por um antigo militante
maoísta, convertido ao pífaro do neoliberalismo mais agressivo, tem demonstrado
não apenas aterradora inaptidão como alucinante tendência para a mentira e para
a omissão deliberada. Apesar de esta alteração pertencer aos domínios mais do
carácter do que ao político, faz pena assistirmos à abdicação moral de um homem
que construíra, através de livros e de intervenções públicas, uma relativa
nomeada.
Não me parece que
Pedro Passos
Coelho consiga, com remendos e cerzidelas, mesmo com recuos e habilidades
momentâneos, tapar os buracos imensos do Executivo. O homem falhou redondamente
e, além do mais, é teimoso. Atribuem ao adjectivo "determinado" o que é,
objectivamente, uma fraqueza de espírito. Passos e os seus não sabem o que
fazem. E o dr. Vítor Gaspar, apontado como um crânio nas arquitecturas das
Finanças e um economista fora-de-série tem-se revelado, através de um
autoritarismo sem remissão, um burocrata com tineta para a graçola e muito menos
o político e o técnico necessários.
Quando a nata da inteligência portuguesa caustica, de um modo e de uma forma tão violentos os
percursos, as derivas e as insuficiências dos governantes, nada resta aos
governados senão...