Aparentemente o Presidente da República alinha com 89 por cento dos inquiridos num Eurobarómetro, por ele citado no discurso deste 5 de Outubro, que "tendem a não confiar nos partidos políticos" e com os 73 por cento "insatisfeitos sobre o modo como a democracia funciona no nosso país". A cura para essa desconfiança, que Cavaco Silva estende ao exercício de funções na administração pública, é o "compromisso".
Acontece que o compromisso entre as forças partidárias dominantes deu-nos a adesão à Comunidade Económica Europeia e, depois, à moeda única. Levou-nos à perda parcial da independência nacional, com assinaturas de tratados cruciais sem debate político sério nem consulta ao povo.
Esse mesmo compromisso transformou o Estado numa agência de empregos para militantes partidários, numa máquina de subsidiação da preguiça e da estupidez, num monstro de expansão urbanística e de destruição da natureza, num produtor infinito de asfalto, num viciado capturado pela indústria farmacêutica, num cúmplice da incompetência judiciária e judicial, num perpetuador de caciques locais, num traficante bancário, num liquidatário da agricultura e das pescas, num experimentalista na educação das nossas crianças, num ilusionista da economia privada, num consciente promotor do individualismo, do hedonismo, do consumismo, do egoísmo, do populismo e do sebastianismo.
O compromisso entre as forças partidárias dominantes distribuiu uma infinidade de milhões e milhões de contos, de ecus e de euros, emprestados pela Europa, de forma cronicamente incompetente, clientelar e corrupta.
Este compromisso, estrutural, levou-nos ao problema conjuntural: uma enorme dívida, pública e privada, que pagamos através da criação acelerada de pobres...
Cito as duas frases cruciais do Presidente: "O sistema eleitoral proporcional só permite uma governabilidade estável e duradoura se for acompanhado de entendimentos partidários de curto e médio prazo" e "mantendo-se a tendência das forças partidárias para rejeitarem uma cultura de compromisso, não é de excluir, sem qualquer dose de alarmismo, um aumento dos níveis de abstenção para limiares incomportáveis ou a implosão do sistema partidário português tal como o conhecemos."
O que Cavaco Silva não vê é que o compromisso entre as forças partidárias dominantes, materializado em inúmeros governos estavelmente desastrosos, incluindo os dele, tem sido um veneno para a democracia. É menos intenso do que a instabilidade violenta da Primeira República, mas igualmente candidato a ser letal para o regime.
PEDRO TADEU
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