Protesto em Lisboa: Movimento cívico alastrou a toda a sociedade
Jovens enrascados trazem famílias inteiras para a rua
"O País precário saiu do armário". Palavras de ordem como estas juntaram ontem um mar de gente na avenida da Liberdade, em Lisboa, na manifestação da ‘Geração à Rasca’, que se estendeu por todo o País em protesto por mais e melhores condições laborais.
Mas o movimento, nascido de uma conversa de café entre quatro jovens desiludidos com a precariedade do mercado de trabalho, estendeu-se muito além de estudantes e recém-licenciados. Ontem, o desfile até ao Rossio foi acompanhado por novos e velhos, por famílias inteiras e não foram poucas as crianças que participaram, pela mão dos pais, na marcha. "Fui precária até há bem pouco tempo, mas tenho um filho de nove anos, e estou preocupada pelo futuro dele, que se avizinha", justificou Carla Castanheira ao CM. Aos 17 anos, uma jovem estudante marcou presença pelo seu próprio futuro, mas também segurando a faixa que reclamava contra o despedimento colectivo na empresa da mãe. E pelo caminho, uma mãe instigava a filha a receber um panfleto. "Aceita filha, porque quando chegar a tua vez ainda vai ser pior."
A presença de famílias e de muitas crianças pode explicar a forma pacífica como decorreu a marcha lenta, e ajuda a confirmar o carácter cívico e apartidário que a organização sempre reclamou para o movimento. Só a adesão de alguns elementos do Partido Nacional Renovador (PNR) mereceu alguns apupos e gritos de resposta de "apartidário, laico e pacífico" por parte da maioria.
A manifestação arrancou pouco depois das 15h30, junto ao Cinema São Jorge. Às 17h30, quando os primeiros protestantes chegavam ao Rossio, não se via ainda o fim do cordão humano que se estendia até à Praça do Marquês de Pombal.
A organização aponta cerca de 200 mil participantes, um número que engrossou graças à chegada da manifestação de professores que se juntou mais tarde ao grupo, embora não haja dados oficiais. Mas Manuela Weigel, de 43 anos, chegou antes. "Nós nascemos num bom tempo, tivemos sorte. O que vão fazer estes jovens a tanta formação?", questionava a docente.
Prevista para terminar no Largo de Camões, o elevado número de participantes empurrou a manifestação para o Terreiro do Paço, apesar de não ter sido pedida autorização para o trajecto. A marcha, que decorreu sempre sem incidentes, viveu aqui os momentos mais quentes, com alguns participantes a queimarem faixas. A chuva dispersou os últimos manifestantes, mas para ontem à noite estavam marcados convívios e festas para prolongar o encontro e o debate.
PROFESSORES JUNTAM-SE AOS FILHOS NA MARCHA
Na manifestação dos professores que decorreu ontem em Lisboa (ver página 20), foram várias as alusões ao protesto da ‘Geração à Rasca', que decorria à mesma hora. Muitos dos participantes referiram mesmo a adesão dos próprios filhos na marcha da avenida da Liberdade, à qual alguns acabaram mais tarde por se juntar. "Não somos a Geração Rasca, mas também estamos à rasca", declarou Ricardina Guerreiro, do Sindicato Nacional de Profissionais da Educação.
"ESTAMOS A SER ROUBADOS"
Nas cidades do Centro onde a ‘Geração à Rasca' organizou manifestações, a adesão foi a esperada e decorreram dentro da normalidade. Em Leiria, juntou-se meio milhar de pessoas, enquanto em Viseu estiveram 600. Menos pessoas concentraram-se em Coimbra e Castelo Branco. Talvez devido à intensa chuva que caiu, em Seia não se realizou o protesto.
Apesar do frio e da chuva que caiu a espaços, o Rossio, em ViseEXTRAORDINARIO SUCESSO DOS"PORTUGUESES A RASCAu, esteve bem composto por pessoas de todas as idades. Aliás, foram os mais velhos que animaram a manifestação e ajudaram os jovens, a maioria deles nada habituados a estas andanças. "Finalmente o povo pode falar à vontade", gritou João Oliveira Cruz, do alto de um improvisado palco, adiantando: "Estamos a ser roubados. Vamos gritar bem alto para que se acabe com o roubo dos reformados". Pelo palco passaram ainda jovens que contaram "as dificuldades para arranjar trabalho" e criticaram os dirigentes políticos, sobretudo o Governo e José Sócrates.
Paulo Agante, organizador do protesto, disse que "os objectivos foram cumpridos". Pelo Rossio passaram militantes de vários partidos e pessoas que escreveram em cartazes o que lhes vai na alma. A PSP vigiou o protesto de forma discreta e à distância.
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