O modelo das eleições primárias, através do
qual um partido escolhe o seu candidato a um determinado cargo através de uma
auscultação de um universo mais alargado do que a sua direção política, não tem
uma tradição em Portugal. Os EUA já há muito vão por aí e a França começa a
testar o modelo.
Ontem, durante o congresso do PSD, assistiu-se
já a um curioso e atípico "ensaio". Aproveitando o sopro de otimismo que as
últimas estatísticas económicas insuflaram no partido, uma revoada de antigos
líderes entendeu por bem dar à costa. Se, no caso de Marques Mendes, alguma
discrição foi seguida, já Marcelo Rebelo de Sousa e Santana Lopes aproveitaram
habilmente o ensejo para se exporem ao seu eleitorado potencial, numa pouco
subliminar pré-prova para as presidenciais.
No caso de Marcelo, a sua dualidade de
comentador/político, depois da moção de Pedro Passos Coelho o ter excluído da
preferência da direção do partido, obriga-o a um exercício, muito inteligente,
através do qual, com humor e fidelidade oficiosa q.b., procura tocar a simpatia
que sabe que por ele tem uma grande parte da massa "laranjinha" (como ele gosta
de dizer) - o que, contudo, pode ser algo diferente de o querer como presidente.
Veremos se a "performance" foi suficiente para poder gerar o início de uma "vaga
de fundo" que o faça "regressar à terra", já que nestas coisas da política nada
é "irrevogável", como ele bem sabe.
Já Santana Lopes é um caso diferente. Desde há
uns anos, agora ajudado pelo papel na Misericórdia de Lisboa, tem procurado
construir uma imagem diversa do perfil "playboy" e pouco "statesmanlike" que os
portugueses dele haviam fixado, modelo que o seu efémero e patético governo
havia ajudado a instalar na memória coletiva. O modo pausado como agora fala, as
constantes referências religiosas que pontuam o seu discurso, o registo "humano"
e com os desprotegidos da sorte que marca uma em cada duas palavras, desenham o
retrato cuidado de quem quer passar pelo contrário daquilo que sempre foi a sua
imagem junto dos portugueses.
Portugal é um país de memória muito curta. Se
para aí estiverem virados, os portugueses podem facilmente vir a esquecer a
"vichyssoise" de Marcelo e as "trapalhadas" de Santana. Uma coisa é certa: ambos
não deixarão de lembrar ao PSD a "fuga" de Durão Barroso para Bruxelas, se e
quando o declinante presidente da Comissão Europeia, esgotadas que sejam as
hipóteses das outras alternativas em matéria de postos internacionais, entender
que não tem outra escolha senão tentar regressar a Portugal via
Belém.
A procissão presidencial ainda vai no adro. Mas
os vários andores começam a engalanar-se. O pessoal das confrarias começa a
vestir as opas, os anjinhos do costume já agitam as asas e os fiéis começam a
alinhar na berma. Só falta a música, mas ela não tarda.
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