2.9.13

Diz o Daniel Oliveira: Quando o macaco não sabe dancar a culpa é do chão!

"Já alguém perguntou aos mais de 900 mil desempregados do que lhes valeu a Constituição?" A frase do primeiro-ministro é todo um programa. Antes de tudo, é uma declaração de guerra ao Estado de Direito. O que vem depois disto? Que a democracia não põe comida no prato? Que as eleições não fazem crescer a economia? Que a liberdade de expressão não aumenta as exportações?
Esta frase é, ainda por cima, de um tremendo cinismo. O homem que, como primeiro-ministro, mais postos de trabalho ajudou a destruir em Portugal tem a suprema lata de usar o sofrimento dos desempregados para atacar o Tribunal Constitucional e a Constituição. Não, a Constituição não nos protege de primeiros-ministros incompetentes. Apenas impede que governem como se vigorasse, por sua própria decisão e à margem da lei, o estado de emergência. Ela defende valores que as democracias têm como fundamentais. Entre eles, a proteção da confiança que, por unanimidade, os juízes consideravam que era afetada pela proposta do governo para a "requalificação" dos funcionários públicos. Na realidade, o acórdão até abre a porta a despedimentos na função pública. Apenas impede que eles aconteçam por este meio.
Para Passos Coelho o problema da decisão do Tribunal Constitucional não está propriamente na Constituição, mas na interpretação que o TC faz da mesma. Segunda lição ao primeiro-ministro sobre o Estado de Direito: se as leis não precisassem de ser interpretadas quando são submetidas a realidades concretas os tribunais não eram necessários. Se a Constituição não tivesse de ser interpretada quando se avalia a constitucionalidade de uma lei o Tribunal Constitucional seria uma inutilidade. Claro que o TC faz uma interpretação da Constituição. Tendo em conta que essa interpretação foi unânime, mandaria a humildade acatá-la sem grandes comentários e no respeito pelas instituições e pelas suas funções.
Por fim, Passos Coelho diz que parte para a conversa com a troika com dificuldades. Por não poder dizer se "não haverá problemas" com as medidas que venha a apresentar. Ou seja, será difícil explicar à troika que Portugal, sendo uma democracia, tem leis que limitam a ação do governo e tribunais que as aplicam. Recordo o que disse recentemente a ensaísta alemã Gertrud Höhler, quando deu como bom exemplo de instrumentos de resistência à cegueira europeia o veto do Tribunal Constitucional português às medidas propostas no Orçamento de 2012. Considerou-o um sinal para as opiniões públicas europeias de que, como comunidade, ainda existimos. Como se fosse dito, explicou a ex-conselheira de Helmut Kohl, "lamentamos, mas temos aqui um obstáculo que não podemos ultrapassar".
Se Passos Coelho não considerasse, como considera, que o programa da troika é o seu programa, veria mais este veto como um instrumento negocial valioso. Pelo contrário, está a trata-lo como um pretexto para mais ataques aos reformados, para um segundo resgate (com este ou outro nome) há muito anunciado e para esconder as suas próprias responsabilidades. Lá diz o povo que quando o macaco não sabe dançar a culpa é do chão.

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