Palácio de São Bento, 15 de Setembro de 2011
Exmo. Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros,
Exmo. Senhor Ministro de Estado e das Finanças,
Já vai em mais de três semanas a greve dos funcionários consulares e das missões diplomáticas. Nunca na história do sindicato houve uma greve tão prolongada. O que significa que as razões que motivam a persistência da greve e a determinação de a continuar têm de ser bastante fortes, como eu pude muito claramente perceber pelas reuniões que nos passados dias 12 e 13 de Setembro tive com os funcionários consulares e das missões diplomáticas dos Consulados de Genebra, Zurique, Berna e da missão na ONU. Com efeito, a situação de degradação salarial devido ao corte nos vencimentos de 10 por cento e as perdas cambiais devido à valorização do Franco Suíço, estão a provocar uma situação verdadeiramente desesperada e dramática entre os funcionários consulares, a que se pode também somar a situação dos professores, em tudo idêntica.
O ponto de partida para esta situação radica essencialmente em dois pontos: a não existência de uma paridade fixa e razoável entre o valor do euro e do Franco Suíço em 1,51, como acontece com outros países; a aplicação de cortes salariais de 10 por cento idênticos também para o estrangeiro, sem levar em conta os respectivos níveis de vida. Como o mínimo razoável para se viver na Suíça, segundo as autoridades federais, ronda os 4.000 Francos Suíços, o equivalente a três salários mínimos aplicado em Portugal nunca deveria ter aplicação neste caso. Sendo esta situação diferente da de Portugal, mereceria também uma atenção adaptada à realidade suíça. Era isso que o anterior Governo estava a analisar ao criar um grupo de trabalho específico para analisar esta situação e foi isso que fez ao atribuir uma compensação salarial aos funcionários portugueses no Reino Unido que foram prejudicados com uma nova situação contributiva.
Como o problema não foi resolvido porque entretanto o Governo caiu, esta situação dramática está a ter consequências muito negativas a vários níveis: para a vida quotidiana dos servidores do Estado português a nível material e psicológico, para o funcionamento futuro dos postos e missões diplomáticas, para a imagem e prestígio de Portugal e para a forma como são considerados os mais de 200.000 portugueses residentes na Suíça. Talvez a informação que chega ao Governo esteja desfasada com a realidade da vida concreta dos portugueses que vivem e trabalham na Suíça, provocando, consequentemente, uma avaliação incorrecta da sua situação.
A verdade é que mais de dois terços dos salários dos funcionários estão hoje abaixo dos 4.000 Francos Suíços e os mais baixos estão ao nível do equivalente em Portugal ao Rendimento Social de Inserção, ou seja, ao nível daquilo que recebem os mais pobres entre os mais pobres. Há funcionários com mais de 20 anos ao serviço do Estado Português que já não se encontram muito longe do limiar de pobreza, configurando todo este contexto uma situação de exploração laboral inaceitável. Quem não compreender isto não compreende nada daquilo que se está a passar na Suíça com os portugueses. Funcionários de topo que ganhavam 6. 000 Francos suíços têm hoje menos 2000 no seu rendimento disponível, e os que ganhavam 3.800 ou menos hoje têm, grosso modo, menos mil euros no final do mês.
O que significa, com estes baixos níveis salariais, que o Estado Português não está a cumprir o compromisso constante da Declaração de Garantia assumido com o Estado Suíço de assegurar remunerações aos funcionários das representações estrangeiras que lhes permitam viver de forma condigna.
Em virtude desta situação, os servidores do Estado estão muito abalados psicológica e emocionalmente; sentem-se abandonados pelo seu país e, com este sentimento, também sentem a sua dignidade atingida e a sua auto-estima a fraquejar. Sentem-se humilhadas por estarem a ganhar menos que praticamente todos aqueles que servem, que ganham o dobro em limpezas ou noutras tarefas não especializadas. Nos encontros que tive com os funcionários vi as lágrimas caírem dos seus rostos, num misto de impotência e de revolta, por já não terem dinheiro para dar aos filhos, por terem de tirar filhos pequenos das creches ou por terem perdido capacidade financeira para os manter na escola ou na universidade.
Para este sentimento de abandono contribuiu também o facto de, no decurso deste período de greve já muito longo, o Governo não se ter dignado averiguar a verdadeira natureza da situação, dar uma palavra aos seus servidores e, muito menos, de iniciar um processo negocial. Ao contrário do que tem surgido publicamente, não houve qualquer contacto com os sindicatos ou representantes dos trabalhadores para analisar a situação. Pura e simplesmente tem-se deixado andar, provavelmente na esperança que a greve termine por exaustão.
Acresce que no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros não existe qualquer informação sobre a greve, o que está a originar a deslocação de muitas dezenas de portugueses de umas áreas consulares para outras, que por vezes chegam mesmo a fazer mais de 100 quilómetros, para baterem com o nariz na porta. Escusado será dizer que esta situação é grave e pode muito facilmente originar tumultos.
Nas reuniões que tive com os funcionários consulares percebi que o que sentiam não era já o espírito de luta sindical, mas um sentimento de revolta pelo desprezo a que estavam a ser votados pelo Estado Português. Alguns funcionários com mais de 30 anos de serviço, confessaram nunca esperar que o reconhecimento pela sua dedicação viesse em forma de desprezo. Um funcionário chegou mesmo a dizer: “Estamos a ser tratados como lixo”.
Seria muito importante que o Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiro e o Senhor Ministro das Finanças pudessem presenciar pessoalmente a descrição destas situações e a incapacidade dos funcionários em conterem as lágrimas. Podia ser que se comovessem….
Mas esta cegueira dogmática do Governo tem também consequências sérias noutros domínios. Desde logo no serviço que presta à considerável comunidade portuguesa na Suíça, avaliada em mais de 200.00 portugueses e em crescimento acelerado devido à crise económica e financeira que se vive em Portugal e na zona Euro.
Mensalmente, só os consulados de Genebra e Zurique fazem cerca de 2.000 actos consulares cada. Significa que há milhares de situações que estão a ficar por resolver por falta de certidões ou documentos pessoais, negócios que ficam pelo caminho, viagens que são anuladas. Vidas que ficam em suspenso. Não é razoável nem aceitável deixar desprotegida uma população tão vasta de portugueses.
Mas há outro aspecto de elevadíssima importância e que o Estado Português em circunstância alguma devia permitir que acontecesse. Esta crise dos baixos salários dos funcionários portugueses, que pode alastrar a outros países se o Governo não abandonar a sua postura de inflexibilidade, está a danificar seriamente a imagem e o prestígio de Portugal. O Senhor Ministro dos Negócios Estrangeiros, que tem manifestado uma tão grande preocupação com o prestígio e imagem de Portugal, devia olhar para esta situação com outros olhos, para impedir que o preconceito e a sobranceria possam atingir Portugal e os portugueses.
A imprensa em Língua alemã e francesa tem publicado artigos pouco elogiosos sobre a atitude do Estado Português face aos seus servidores, de que é exemplo um artigo do Tribune de Genéve que titulava” Le Portugal ne repond plus”, que em tradução muito livre significa algo como “Portugal abandona os seus à sua sorte”.
Perante uma situação como esta e com uma comunidade tão vasta, alguma imprensa vai aproveitando para soltar os seus preconceitos, como sempre acontece nestes casos, ainda por cima num país onde a xenofobia tem aumentado devido à acção de alguns partidos que espalham pelas cidades cartazes a apelar ao fim da imigração massiva.
Se a isto somarmos o facto dos funcionários consulares já terem apelado às autoridades federais para os ajudarem e a possibilidade desta crise dos baixos salários e de carência dos servidores do Estado Português chegar ao Parlamento Suíço, como já foi anunciado, vemos facilmente que o prestígio de Portugal e dos portugueses está a ser fortemente atingido.
Como não é nada também de desprezar o facto, muitas vezes não considerado, que se prende com a degradação da imagem dos portugueses como povo e como país perante os outros, tornando-os alvos mais fáceis da xenofobia e do preconceito, tantas vezes visível naqueles olhares de superioridade e sobranceria, com o propósito implícito de gerar um sentimento de inferioridade.
Por isso, Senhor Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros e Senhor Ministro de Estado e das Finanças, o dogmatismo radical em matéria financeira que está a mover a acção política do Governo está a destruir a nossa imagem e credibilidade externa, que atinge não só o nosso país, mas muito particularmente todos os nossos compatriotas que vivem e trabalham na Suíça. Além de ser um sinal muito negativo para a relação entre Portugal e as suas vastas comunidades espalhadas pelo mundo.
Apelo, por isso, ao sentido de justiça e de clarividência do Governo, para que resolva o problema destes portugueses que vivem na Suíça, que é também um problema de Portugal e do Estado Português, criando um mecanismo salarial que dê estabilidade às suas vidas, permitindo-lhes viver de forma condigna e decente, para que possam saber que o seu país não os abandona.
Na expectativa de que Vossas Excelências compreendam estes argumentos e hajam em consequência,
Subscrevo-me atenciosamente,
Paulo Pisco
Deputado do Grupo Parlamentar do PS
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