18.7.20

JoanMira : "Um velhote solitario" (Texto)


Um velhote solitario e triste, debaixo de uma bananeira inventada, deixando escorrer as suas magoas, mirando as arvores do seu quintal, murmurava com desgosto :

Tu cerejeira, vai-te embora, vai ter com o teu Salazar,* pôe-te a milhas não te quero ver mais ; és traiçoeira : as tuas pernadas brisam-se sob os pés ; quantas vezes cai !

Tu, limoeiro meu amigo, vais dar muitos frutos que não chegarei a ver...

A figueira queria dizer : so espero que não fiques choxa ; seria uma pena, o teu figo é delicioso.

Tu nespereira, sempre me traiste ; eu tratava de ti e tu davas os frutos aos pardais ; e eles, claro, não se faziam rogados, comiam tudo e não diziam nada ! Como retaliação vais ser arrancada e dada a terceiros...

Enfim, tu oliveira, a minha paixão ; retirei-te da sombra ; agora tens o dia inteiro lugar ao sol permanente que mereces. Ha quem te chamou « azeitoneira », pouco importa. Amo-te e como sei que viveras tempos imemo riais, ficaremos Amigos para a Eternidade.

*Salazar foi o Presidente do Conselho da ditadura do Estado Novo e muito amigo do cardeal Cerejeira.